sexta-feira, dezembro 18, 2009

Candeeiro

Velho, Amanhã, Árvore, Candeeiro

Coitado. Tão velho, nem se consegue mexer.

Muito já ele viu. Desde o casal feliz que encontra o médico e fica a saber que nasce uma família, ao lamento sofrido de quem foi traído.

Pelo menos, a árvore não se vai embora. Vai crescendo. O pior é quando cheira mesmo mal e o cão do 23 o escolhe.

Já viu de tudo. E agora? Sem luz, o que faz? Um pouco mais do mesmo, não vai a lado nenhum.

Pode ser que amanhã alguém o arranje. Que lhe dê uma luz intensa, colorida.

Vai-lhe fazer bem, dar outra luz. Sentir e dar a sentir outro brilho.

Felina

Apetece-me estar com ela, claro, mas não sei se devia. E se as suas garras saltassem e me ferissem? Mas tem garras? Parece que sim. Parece um gato tenro, a quem apetece acariciar, tocar, carregar para todo o lado... mas sabendo que elas estão lá. As garras, prontas a saltar.

Se calhar, vão-me fazer sangrar, de uma ferida funda, que não fecha.

Tenho algum medo mas, tal como um gato, quando ronrona eu não consigo fugir. Tenho que lá ficar, sentir o seu calor, aumentar a sua alegria. Eu consigo.

Consigo sempre pegar nos gatos. Quase sempre, pronto. E isso faz com que queira ir atrás daquela felina que caminha sensualmente à minha frente.

Já tenho duas coisas a lixarem-me a vida. As garras e o «quase». Agora, não me saem da cabeça aquelas vezes em que fugiram, e só me atira mais para baixo, lembrar-me de quando fiquei só. Só, frustrado e a sangrar. Sim, de uma dessas feridas que não saram.

E agora?

Parece que estou farto de mim, que queria ser ágil, rápido, eu próprio um gato, que cai sempre direito e que só se magoa se lhe quiserem fazer mal.

Quero deixar de ser quem sou, apesar de gostar muito de muito do que já fiz. Agora já não me surpreendo.
Escrevo-te

Em linhas estranhas

Rasgam o papel

Mas não chegam

Não sei onde é

Não consigo sair

Inominável

Indescritível

Inexistente

Onde?

Para onde vou?

Para onde quero ir?

Se para onde não quero

Mas não chega

Preciso de uma meta

Para cruzar

De uma luz

Que me alumie o caminho

Lê as minhas palavras

E queima-as

Que a chama chegue aos meus olhos

Beijo

O amor a surgir

O até já que sabes que é um adeus

A crença e o orgulho no filho

A banalidade animal de que precisas

A testa húmida, porque a cabeça atrás merece

O cumprimento quotidiano

O comprimento do que já se viveu

Pode saber mal

Quando dado com pena

Mas sabe tão bem

Quando nasce do quase nada

Medo

Onde estás?

Tu, que não me conheces

Não tens pedras para me atirar

Se calhar

Tenho que me vender um pouco

Talvez resulte

Não tenho que me desculpar

Ainda, só ainda

Dizem as más vozes

Raio de mundo

Não sabe estar calado

terça-feira, dezembro 15, 2009

Ali

Ali

Onde te levei

Onde sorrias

Ainda te lembras?

Sei que sim

Quase sorris, mas não consegues encontrar

Nem o caminho

Nem a força, o brilho

Passam-se décadas

Ainda o procuras

Até que te distrais com uma festa

Mas lembras-te...

Para onde vais?

Esqueceste-te?

sexta-feira, dezembro 11, 2009

Algo

Preciso de algo

Conhecer

Explorar

Acordar a surpresa

Queria

Esperar o inesperado

Vejo, mas não lhe toco

Eu?

Espreguiço-me

Respiro

E não desaparece

O desejo

O sofrimento

quinta-feira, novembro 12, 2009

Da altura d'«O Atropelável»...

«há 2 anos era um génio...
eu não acho que fosse um génio realmente, mas sim um gajo normal, com alguns jeitos e com um pensamento realmente rápido, que era adquirido pelos outros, claro!
um gajo genial!!! que tontice...

(...)

eu tenho e sempre tive boa ideia acerca de mim
eu não sou gajo que não seja presunçoso, e acho, aliás sei, que vou recuperar excelentemente, vou tirar fotos fabulosas e vou voltar a escrever um fabuloso português, as outras é que se lixam
aliás, estou aqui, e vou escrevendo um livro. e já escrevi bem, bem pior...»

terça-feira, outubro 20, 2009

Plágio

O meu texto «Não me cerejes» foi publicado no Notícias da Portela, e fui subtilmente acusado de plágio... Aqui está a acusação, e a resposta.



Marco António em Outubro 8th, 2009 9:58
Exmo. Sr. Miguel Pinto.
Apresentando os meus melhores cumprimentos para toda a organização e, especialmente para si, venho deste modo simbólico, agradecer a mais bela reportagem que tive o prazer de ler no Notícias da Portela. Falo do artigo “não me Cerejes”, de longe, um artigo que dignifica a qualidade da publicação.
Mas, como tudo na vida o tem, existe uma leve alusão a um artigo que em tempos escrevi, num artigo publicado no matutino croata, o Jutarnji List de 21 de Janeiro 2007, do qual sou autor (artigo “Skandinávské cherry”).
Sabendo que não existe qualquer intenção de plágio, no entanto, caso queira publicar mais artigos interessantes, agradecia que me contactasse, para tal, fica aqui o meu mail pessoal:
marcoantonio@jutarnji.list.cr
Espero poder, tambem, manter o bom nível qualitativo e cultural da vossa prestigiada publicação (pelo menos aqui na cidade de Ljubljana).
Sem mais, agradeço a atenção dispensada, subscrevo-me,
Marco António



Miguel Esteves Pinto em Outubro 9th, 2009 21:26
«Ao comer cerejas com os grandes senhores, corremos o risco de receber os caroços em cima do nariz.»
Exmo. Sr Marco António,
Ganhei o dia. Assim que me ligou o chefe de redacção, para me informar que tinha sido acusado de plágio, fiquei com um sorriso nos lábios que não desaparece.
Quando finalmente li a sua missiva, fiquei ainda mais feliz. «Não me Cerejes» dignifica, efectivamente, a qualidade da publicação, obrigado.
E sim, faz uma acusação de plágio escondida na inexistente alusão a um artigo que terá escrito no Jutarnji List, cuja existência eu desconhecia, até agora.
Enganou-se.
Tem outra origem… E estou cheio de vergonha…
«A vergonha não espera por ninguém, a não ser que não a ajudem a chegar.»
O meu tio-avô, na sua penúltima vida, nasceu em Israel e, daí à escandinávia, foi um salto. Implantou, como costume obrigatório no nosso clã, o consumo de chá de cereja escandinava ao acordar, para todos aqueles que estivessem sem rumo.
Além disso, resta a questão do chá de apêndice. Realmente, vem de algum lado. Está escrita, há uns aninhos, a prática de vingança, como a mais cruel possível. Mas isto na Bíblia da Igreja Meso-politâmica do Burnubização do Senhor , que fui eu que escrevi… (Sou o sumo-sacerdote.)
Portanto, mais uma vez agradeço a sua acusação de plágio do seu artigo. Fui ler provérbios escandinavos, que tão bem soam aqui. Sabia que «a afectação é aprendiz do orgulho»?
Eu não sabia. Espero que realmente não bebam chás como os que descrevo, já que são um povo tão inteligente…
Ocorrem-me tão belas expressões escandinavas… (Espero que não tenha escrito um livro de provérbios escandinavos, senão aponta-me logo o dedo, imagino…)
«Quem persegue a outra pessoa priva-se a si mesmo de repouso.»
Se alguma vez visse um texto com semelhanças a um meu, e se a probabilidade de o autor conhecer os meus textos fosse quase nula, eu ficaria feliz. E mostrar-lhe-ia o meu texto, se os considerasse quase gémeos…
Porque «o pensamento não paga direitos de alfândega». E ainda bem que «a corda para amarrar os pensamentos ainda não foi urdida»; mesmo assim, os governos lá vão tentando manipular a informação e fazendo ligeiras lavagens cerebrais. Mas os pensamentos ainda não estão amarrados…
«Quem deseja fazer de louco encontra sempre quem o ajude»
Cumprimentos
Miguel Esteves Pinto

domingo, outubro 11, 2009

Já não se fazem guerras como antigamente

Antes, é que era. Com uma espada, uma faca, ou mesmo uma colher. E não mandavam os cozinheiros atacar. Os líderes iam à frente das massas. Bradando, e ostentando a arma escolhida.

Agora, é muito mais fácil. Pelo menos, preocupam-se menos. Penteiam-se e maquilham-se, para falar para uma lente catita, nada agressiva, e pronto. E enviam assim os seus soldadinhos (antes fossem de chumbo, mas são eles os culpados; são quem abdica do poder).

Hoje em dia, parecem miúdos a juntar cromos. E os Estados Unidos da América vão à frente. Sim, por acaso têm o exército mais forte, mas não é só isso. Já vão no quarto Presidente com um Prémio Nobel da Paz. E acabadinho de chegar. O novo messias. Escurinho, já não se pode dizer que os americanos são racistas, e com mais currículo do que Jesus.

Como veio noutra altura, não se vai deixar apanhar pelos outros, os maus. Além disso, só um deles é que tem um Prémio Nobel. E não me venham com fundamentalismos. Somos, ou não, todos filhos de Deus?

Pronto, é certo que ainda existe Guantanamo, mas ele ainda não teve tempo. No próximo mandato, ele trata disso. Se o Bush foi eleito duas vezes... consegue, de certeza. E, não sei se já vos disse, ele ganhou agora... um Prémio Nobel.

Tenham calma, tudo vai ao lugar. É preciso ter calma. Rezem um pouco. E não rezem por ele, rezem com ele.

Bloqueio do Escritor

bloqueio

s. m.

Cerco em que, sem atacar os cercados, se lhes impede toda a comunicação do exterior.

escritor (ô)

s. m.

1. Autor de obras literárias ou científicas (com relação ao estilo, à forma que emprega).

escritor público: literato de profissão.

Realmente, ninguém me ataca, apesar de me sentir cercado. Por paredes negras e esmagadoras. Não impedem toda a comunicação com o exterior... Apenas aniquilam a minha vontade de chegar ao exterior. De quando em quando, o meu telemóvel não envia as mensagens. Já me ligaram, estando ele ligado, e fez greve... O bloqueio é lixado...

Não me apetece ligar a ninguém. Não quero comunicar com o exterior. Tornar-me num desses, esses que, de forma anódina, saíram do bloqueio e sobrevive. Com o bloqueio cruel, pelo menos sou diferente. Sei que algo não me deixa respirar. E quero conseguie fazê-lo. Mas aprendi algo. Aquilo que eu não sou. Ainda não sou (e espero não vir a ser, se isso implicar escrever o que devo) um escritor público.

Literato de profissão? Até tem alguma pinta. Imagina-te num bar, à noite. A dona dos olhos azuis misteriosos que não te largaram acaba por encetar uma conversa. Mostra interesse em ti. Quer saber de ti. E pergunta-te qual a tua profissão.

«Eu, eu sou literato»

Fica estupefacta, e já sabes que está no papo. Ficou tão boquiaberta, que já te aprontas para o próximo salto, não custa nada.

De qualquer maneira, creio que seria incapaz. Não de usar essa arma de engate – seria capaz, mas sentir-me-ia estúpido−, mas sim de me tornar um escritor público. Não é uma profissão estável. Daqui a uns tempos, estará classificado o «bloqueio de escritor público» ou, mais sonante, «bloqueio de literato». E eu não quero estar no meio dos «despedidos por bloqueio inultrapassável».

Igual?

Estás diferente

Já não pareço eu, dizes

Para não pareceres quem és,

Tu deixas-te confuso

O progresso, a vida, a história

Agora não te reconheces

É feio não te reconheceres

Acertas quase sempre

Aquilo em que não te reconheces é feio

Desculpas-te

O que se passou não é nada teu

E não te reconheces

Estás diferente

Vício. Viciante. Viciado.

Estas palavras têm algo a ver comigo.

Há vícios que se exterminam. É estranho. Parece que sempre fez parte de mim. E depois... escapuliu-se.

Foi estranho. Só reparei que já não roía as unhas quando me cocei com muita força. Parece que apanhei um táxi para um universo em que tudo está igual, mas não roo as unhas.

Viciante é uma palavra que não atribuía a mim, mas outros o fizeram, daí falar no assunto. Talvez por causa de um vício, que será talvez contagiante. Estou agora viciado nisto que está à vossa frente. A escrita. Será que penso no assunto dois dias antes, e reflicto que aquilo realmente merece passar para o papel? Claro que não. Escrevo porque me faz bem. Quando não escrevo, sinto-me estúpido, burro, inútil.

Mas porquê viciante, ainda assim? Deve ser o montro que há dentro de mim, e sai cá para fora, de tempos a tempos, em palavras, escritas ou, por vezes, faladas. Deve ser isso.

Ainda assim, não acredito muito nisso. Até gosto de mim, mas, de tempos a tempos, gostaria de tirar umas férias de mim próprio, e não posso.

Viciante não me soa real. Viciado, sem dúvida. E já conheci mais uns quantos.

De quando em vez, lá vem a conversa da ressaca:

«Já não escreves há quanto tempo?», «Não tens escrito, pois não?» ou «Já escreveste, desde...?»

Claro que as perguntas mudam muito, de vício para vício.

«Meteste quantos gramas?» - surge, em conversas entre toxicómanos (aqueles assim definidos pelas notícias e pelas leis).

Mas ninguém pergunta quantas palavras é que escrevi antes de jantar. Era só o que faltava, ir contar as palavras...

Escrevo porque sempre faz a serotonina saltar no meu cérebro (é o que todos os vícios fazem, não é?). sabe bem e é barato. O lado mau é conhecer melhor os meus podres, e escrever merda tantas, tantas, tantas vezes...

Sentidos

Que cheiro tem uma emoção?


Há dias em que cheira mal

Em que o mais valioso sorriso

Cheira a podre, se recheado

De ódio e inveja

Sempre que a estupidez apadrinha uma

Como filho bastardo

E não há nada a fazer

No entanto, quando ela se lembra

Porque tinha reparado

Na quele teu pormenor

Cheira sempre a rosas

Aquelas únicas, mágicas

Que não perdem o aroma

Porque não morrem

Porque há emoções que não se vão embora

Estão lá sempre


A que sabe uma acção?


Ao melhor doce que já provaste

Quando acredita em ti

Quando essa crença a faz dar um passo

E fica mais perto de ti

Quando espera por ti

E desculpa o indesculpável

Ou sabe a agridoce

Se for bem escondida

Estranha-se, mas aceita-se

E está tantas vezes podre

Que uma palmada nas costas pode saber a vomitado


Qual a textura de uma decisão?


Pode ser áspera

Uma segunda escolha pode ser letal

Derramar sangue

Quando as paredes que te esmagam

Nada de suaves têm

Algumas, protectoras

Como são aquelas reveladoras

Que te levam num opíparo leito

Para o centro do mundo que estás a criar


Que som tem o silêncio?


Há dias em que o silêncio se ouve em carinho, em amor

Um sorriso ouve-se noutro continente

Uma festa acorda-te, com o som de uma ode

Também há os outros silêncios

Os que mostram a revolta muda

Aqueles que fazem trespassar o ódio

Que fazem as palavras fugir

Que deixam o coração a sangrar...


Que cor tem o vento?


Há dias em que é cruel

Tudo negro à volta

Pessoas cinzentas, a andar sem sentido

Há outros ventos

Que deixam tanta cor

Vejo um arco-íris enorme

Que foi arrastado

Enfeita aquela noite especial

Em que não fechaste a janela

Tem todas as cores, que vai perdendo

Quando o vento se aproxima disfarçado de negro

Mas não é sempre

Nem conseguia

As cores acabam por sair

Indeciso, o vento

Confusa, a vida

domingo, setembro 27, 2009

«Ilda Maria Pinto Pires»

Uma avó que não existe
Até sempre Ildinha













Ildinha


Quero tanto estar errado

Voltar a ser criança, tê-la a cuidar de mim

acreditar num céu, para lá da terra

A próxima paragem é essa?

Já tive a certeza que sim. Hoje não

Hoje não sei

Ela nunca me mentiu

Há-de haver um sítio, para onde foi

Um Vale de Carvalho eterno,

ali bem perto do Corotelo

E vai estar sempre de portas abertas para os seus

Sem pecados, sem lixo, sem chatices

Com todos

Ela nunca me mentiu

Há-de estar lá

Ou então, mesmo, mesmo a chegar


XXIV-IX-MMIX


segunda-feira, setembro 21, 2009

«Eu trabalho para o buraco negro onde nenhuma lei é válida»

«Eu trabalho para o buraco negro onde nenhuma lei é válida.»1

Ainda bem. Ainda bem que nenhuma lei é válida. Que não há polícias de choque do buraco negro, escutas telefónicas do buraco negro, registos de informação no buraco negro. Já existiram, mas deixou de fazer sentido. Sem leis válidas, porquê pensar nelas? E porquê trabalhar? Também não percebo muito bem. Fora do buraco negro, metade do mundo pensa que peca, só por viver. Cá dentro, todos pensam que precisam de trabalhar.

Porquê? E para quê? Ninguém irá verificar a lei que não existe que diz que se deve trabalhar se alguém decide não o fazer. Fugir. Sair do buraco negro. Ninguém sai. Ninguém decide.

Por um lado, quero, preciso, vou... Um dia destes vou. Vou trabalhar para o buraco negro. Onde os olhos valem mais do que a cabeça. Fugir à lei que me empurra.

Por outro, não posso, não consigo, não devo... Cair assim, novamente, no buraco negro. Por vezes não o encontro. Já hesitei por pensar na vida sem leis que me protejam. Que me protegem. Imagino que sim.



1 Isto, disse William S. Burroughs, depois de reparar que tinha começado a chover.

sábado, setembro 19, 2009

Talvez «um pouco»...

«Para um liberal e com gosto pelas artes, pareces-me um pouco iludido ou enganado pela vida.»

É o que acontece a gajos desorganizados, têm-se surpresas destas.

Isto estava escrito num papel que descansou cerca de três anos, imagino, no bolso de umas calças. Calças estranhas. De vez em quando, vejo-as a olhar para mim e considero-as repulsivas. No outro dia, não. Estavam com bom ar. Vesti-as e encontrei uma antiga missiva.

Realmente, sou um gajo liberal. Serei intelectual, talvez (se calhar, há alguém mais a pensar isto de mim e tudo). E sim, claro que tenho gosto pelas artes. Mas nunca juntaria assim todas estas palavras. Catita!

Mas iludido pela vida? Talvez. Talvez «um pouco. Apenas «um pouco». Para se querer fazer algo bom, especial, único, há que ser «um pouco» optimista.

Passar umas férias, umas noites, ou umas horas, de quando em quando, nesse castelo das ilusões que surge, tantas e tantas vezes.

Regra geral, sou mais desiludido. A pergunta que não vi no teste (desiludido comigo); o falhanço naquela relação (desiludido com o contexto, com a situação); ou a derrota no derby (metade de Portugal fica desiludida)... E surgem, ainda assim, por vezes, os tais castelos. Em mim, e em muitos. Hei-de ter boa nota! Há-de correr tudo bem! O Benfica vai ganhar o campeonato!

Enganado pela vida? Ela nunca me mentiu. Já me surpreendeu muitas vezes. Pela negativa, mas também pela positiva. Mas já fui enganado por feirantes, que garantiam, a pés juntos, que aquilo havia de funcionar; pelo gajo da papelaria que, coitado, deve ser doente, e acaba por se enganar sempre no troco...

Espero que não haja muitas pessoas a pensar assim acerca de mim. «Um pouco» de uma série de coisas. «Um pouco» a viver, e, ainda por cima, a errar. Não, não soa nada bem. Bem, mas «um intelectual e com gosto pelas artes» soa bem. É sonoro, é sonante, é pomposo...

Arrogante? Não, as palavras não são minhas... Bem, talvez «um pouco» arrogante, senão não escrevia isto, não teria esboçado um leve sorriso ao ler esta frase...

Mas sim, espero que só «um pouco».

sexta-feira, setembro 18, 2009

Potente paradoxo, projecta-me para o passado e para o presente

O que é que hei-de dizer dele? Nem sei bem... Já me pediram a opinião inúmeras vezes, em relação ao Carlos. Já o conheço há tantos anos...

Acabo por cair quase sempre numa descrição algo paradoxal: «É um gajo... bastante mais ou menos...»

Foi da minha turma 12 anos. Nunca chumbou, mas nunca foi um bom aluno. Conheci algumas namoradas no processo. Não eram nem beldades, nem monstrinhas, antes pelo contrário.

A Joana era bonita, lá isso era, mas saía ao pai. Mesmo ao pai. Algumentativa, perfeccionista, com um peito liso, os ombros largos e as axilas peludas.

A Filipa, por seu lado, roçava o limiar da comestibilidade (por vezes assustava, olhar para a sua cara), mas era impossível falar mais do que cinco segundos com ela sem se ficar embasbacado pelos seus voluptuosos seios. E pela sua anca também. Até as suas amigas diziam o mesmo...

Apenas estas duas já ilustram o seu habitual padrão... Elas próprias, escolhidas a dedo, eram bastante mais ou menos.

Mas sempre o fizeram pensar na vida. Nem pouco, nem muito. E afirma, no meio das suas conversas:

«Estou cada vez mais na mesma...»

A última vez que o vi, encontrei-o mais feliz. Eu próprio fiquei feliz, por ele.
Estava a sair do cinema com uma nova amiga, anódina q.b., e, assim que me aproximei deles, voltei a ficar confuso, ainda que talvez faça cada vez mais sentido a sua caracterização como um gajo mais ou menos.

Ouvi apenas esta conversa, sem me terem visto:

Ele: «Gostaste do filme?»
Ela: «Gostei... mais ou menos...»
Ele: «Eu cá, eu achei exactamente o contrário...»

Não os consegui interromper e fugi. A comunicação havia de funcionar, entre eles. Que funcione, pelo menos entre eles.

E que sejam mais ou menos felizes.

Ou, pelo menos, o contrário.

magnetismo

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Magnetismo. Sim, essa força da natureza que não se percebe bem.

Não é simplesmente conhecer alguém e quererem logo conhecer-se biblicamente, querer ser deliciosamente porco, como se apenas a libido interessasse.

É isso, e muito mais.

Aquela força nela, cujo simples «Olá» faz com que notes na apurada subtileza do seu perfume, faz com que queiras conhecer toda a tinta que ela já fez escorrer, que ainda te faz pensar em cada um dos seus olhos como algo tão cintilante, tal como se de galáxias se tratassem...

Isso sim, esse magnetismo que procuro, e que me faz a mim próprio também escorrer tinta.

borderline

amor, livro, cavalo, matraquilhos, inédito, sabor

Às vezes, sinto-me como se fizesse parte de um livro. Como se fosse uma personagem. Em cima do meu cavalo, e a gritar, de espada em riste, contra os muçulmanos.

Espero que, ao menos, seja um livro inédito, a estória já é batida...

Outras vezes, não sinto a vida. Sinto-me como um boneco de matraquilhos, igual a todos os outros...

E assim, sobrevivo...

Mas não vivo...

Não sinto o sabor da vida... Onde está o amor pela vida?

Arrebatamento

cona, mesa, fuligem, arrebatamento, McDonald's, antimatéria, casa

Não percebo como é que a fuligem foi parar à mesa. Tinha lá estado, de pernas cruzadas, a pensar nela e, de repente, ao olhar para lá, parecia que tinham lá ficado os restos do meu pensamento.

Saí de casa. Estava farto dos meus próprios pensamentos. Fui ao McDonald's comer (sim, eu sei que é estúpido), e soube-me a pouco. Sentia-me como um verme no meio da antimatéria, não sabia o que fazer.

E voltei a pensar nela. Não na mulher como um ser completo, mas no sexo, nas carícias, na cona.

Não aguentei mais. Apanhei um táxi, fui ter com ela, e não hesitei. Possuí-a sem lhe dar hipótese. É difícil parar a força do meu arrebatamento.

Até para mim.

Novidades - Exercício

Pois é, de quando em quando vão aparecer aqui umas coisas estranhas. Sim, eu sei, isso já é mais ou menos hábito, mas desta vez é diferente. Faço um exercício de escrita com um amigo, e escrevo textos com seis palavras que lhe tenham saído da cabeça.

domingo, setembro 06, 2009

Água do Fastio

Há sempre coisas a aprender. Estava prestes a escrever um texto sobre a expressão latina «nihil admirari» e perdi toda a vontade. E porquê? Por causa da água do fastio.
Sabe bem? Sabe mal? Não sei, eu tenho muito pouco paladar, para mim é igual à água da torneira. Não foi por causa do sabor, mas por causa do nome.
«Fastio» é palavra de que só me lembraria por causa da água. E porque raio tem esse nome? Tive que ir ao dicionário, e depois percebi. É tudo uma questão de marketing, mas resultaria bem se se ficasse apenas pelo ponto 1.

fastio
s. m.
1. Repugnância pelo alimento; falta de apetite.

«Repugnância pelo alimento»? Claro que sim. Concorrência feroz, essa, a dos alimentos. Muitas vezes, as pessoas só querem comer, e beber aquele vinho, ou aquele sumo, porque fica bem com aquele prato. Aí está, a água sente, de certeza, repugnância pelo alimento quando ninguém lhe liga nenhuma. A água tem que se afastar dos alimentos... E as pessoas não ligam e querem vinho... Vinho, pois, raio do vinho...
«Falta de apetite»? Pensem bem. Hoje em dia, saio à rua e sou confrontado com pequenas baleia a saltitar por aí. A obesidade está na crista da onda, e haver uma água que causa falta de apetite é óptimo. Ajudante de qualquer dieta, e há tanta gente a precisar de fazer uma dieta...
No ponto 2 é que fica tudo estragado... Era bom que não existisse, mas há sempre aquelas notas pequeninas, que se passa bem sem ler.

fastio
s. m.
2. Fig. Aborrecimento; tédio; enjoo.

Mas «Aborrecimento; tédio; enjoo»?
«Boa tarde, queria uma “Água do enjoo”, por favor.» - é horrível, eu sei. Ainda bem que quase ninguém sabe disto. E é um segredo que guardarei comigo. Os gajos do marketing deviam ir lavar pratos, podia ser que tivessem mais jeito...

quinta-feira, setembro 03, 2009

Procrastinar

procrastinar
(latim procrastino, -are)
v. tr.
1. Diferir de dia em dia ou deixar para depois. = adiar, postergar, protrair ≠ antecipar
v. intr.
2. Usar de delongas. = delongar, demorar, postergar ≠ abreviar, acelerar, despachar-se

O Português tem coisas fantásticas. Aliás, os portugueses têm coisas fantásticas. Sim, os dois. A língua, sim, e os habitantes também, claro, os portugueses, esses bichos catitas.

Reparem nas várias e fabulosas formas que arranjaram para procrastinar. É caso para dizer que estariam certamente procrastinando, no processo de arranjarem cada uma delas. Mas arranjaram umas coisas bem catitas. Se os criadores do calão burgesso e ordinário (sim, todos nós) lessem mais e tentassem dar ainda mais vida a esta já de ainda crescente, de certeza que já teria surgido muitas vezes, em discussões, qualquer «Posterga-mos!», contra quem defendesse o árbitro vesgo, ou ainda um «Não mos procrastines! É já!» no fim de um decadente e etílico engate...

Quanto aos bichos catitas... Quase estou indeciso, neste momento, entre eu próprio procrastinar um pouco e deixar isto para depois, e realmente escrever mais um pouquinho... Que cargo o nosso... Somos o melhor país do mundo para se praticar a procrastinação... Come-se bem (muito bem, não me venham cá os franceses com lérias) e, acima de tudo, temos cá um clima... Sabe tão bem acordar e ficar a não fazer nada... Até podemos ficar a sofrer por se arrastar ad aeternum aquilo que tem que ser feito, mas ao menos sofremos «à grande». Com bom tempo, bem alimentados, e com boa companhia. Claro, não pensem que esse gajo que acabaram de ver a passar com um envelope volumoso debaixo do braço cumpre tudo. Teve a ver a Fátima Lopes, ou a ler qualquer coisa da Margarida Rebelo Pinto, coitado, enquanto sofria, porque sabia, havia vários dias, que não podia adiar mais, tinha que levar o raio do envelope à loja, até às 18.00h...

Espero que tenha conseguido. Isto acaba por ser o pior. Quando se sofre enquanto não se faz e se pode fazer aquilo que há para fazer, e depois, quando corre mal. Quando se sofre outra vez quando já não se consegue fazer o que havia a fazer aquilo. Aquilo que já tinha dado sofrimento e causado tanta angústia.

Acaba por ser mesmo péssimo, de quando em quando, especialmente quando está a chover, quando a carne ficou demasiado queimada, e quando os geralmente fieis colegas da constante procrastinação estão todos a fazer alguma coisa. E nem sequer apetece buscar a companhia dos ex-procrastinadores, nos seus intervalos...

Aí sim, dá vontade de dizer: «Queria era que isto tudo se procrastinasse!»

domingo, julho 19, 2009

Ouvir desabafos é muitas vezes deprimente. Mas com o ouvido deprimido, pior ainda...

Imaginem o que é ter o ouvido deprimido e ouvir o melhor amigo a desabafar, porque ficou triste assim que soube que os pais se iam separar.

Tudo por causa de dois cortes, que consideravam essenciais para as suas vidas.

O pai já encontara a mulher da sua vida. Era ele próprio, ou seja, a Felismina, e precisava de ser operado para deixar de ser um homem. Abandonaria o pénis, e faria crescer os seios.

A mãe, por seu lado, tinha acabado de passar no exame que a ia permitir ser professora de história. Já andara, desde que descobrira as maravilhas que se descobrem ao estudar história, muito obcecada com alguns pormenores. Já tentara convencer o marido a optar pela poligamia, em homenagem a Muhammad, mas não tivera sucesso. Agora, tomara uma decisão inabalável. Ia - tinha que, como dizia - cortar o seu seio direito, em homenagem às guerreiras amazonas. «Para conseguir disparar o arco como elas! Se calhar, até melhor...»

O marido recusava-se a ficar com ela, ele que gostava tanto do seu seio direito. E ela recusava-se a ficar com ele, já que não fazia sentido nenhum, na sua cabeça, caminharem em direcções tão opostas. Seios a crescer, enquanto ela abdicava de um deles? Motivo para um divórcio.

E ele estava tão, tão triste. Ia deixar de ter família. Ia passar a ter duas mães que estariam a viver separadas. Chorou, chorou, e tomou uma decisão. Ia dormir debaixo da ponte, de três em três dias. Lá ficou mais bem-disposto, quando teve essa ideia, e abalou para a ponte mais próxima, depois de me agradecer.

E eu cá fiquei. Acreditem, ouvir desabafos destes, tão fortes e tristes, faz o ouvido ficar ainda mais deprimido...

Ouvido deprimido

O tempo passado no hospital dá-me que pensar. E os problemas vão aparecendo, mesmo depois de se alcançar a liberdade. Uns tempos depois de sair, sentia sempre vontade de bocejar. Com pouco sono, mas sempre com vontade de bocejar.

Fui ao médico. Após um fantástico e aprofundado exame, chegou a uma conclusão que deu que pensar. Estava com o ouvido deprimido.

Fiquei muito preocupado. Ia ter que tomar comprimidos. Logo antibióticos... Eu detesto tomar comprimidos. Aliás, detesto ter que tomar qualquer tipo de remédios. Ainda por cima, a tomar antibióticos, não podia beber. E calculava que a sobriedade imposta fosse tornar o ouvido ainda mais deprimido...

Antes de ir à farmácia, decidi, teimosamente, procurar o minúsculo divã para ouvidos, que curiosamente havia construído, nas aulas de Trabalhos Manuais, havia quase vinte anos... Mas não o encontrei. O meu irmão tinha-o vendido para ir ao cinema. Eu tive que ficar a tomar um prozac, ou coisa parecida, para o meu ouvido deprimido... Ainda demorou uns tempos a passar.

Pelo menos, o sacana do meu irmão conseguiu pagar o bilhete para ele, e até para a namorada, com o lucro... Mas se, por acaso, leres isto, da próxima vez pede-me dinheiro emprestado, porra...

quinta-feira, julho 16, 2009

E eu, que nunca quis fazer parte de uma matilha

Isto de um gajo ter problemas de saúde acaba por ter algumas coisas engraçadas.

Aí há uns tempos, fui forçado a ir passar umas férias alargadas a um spa bem moderno. Vivi dois meses num sítio tão bem localizado, ali perto do Marim Moniz. Pensão, Quartel, Hospital ou Prisão de S. José. Vocês hão-de conhecer um deles. Aliás, há-de existir um deles. Ou mesmo vários deles.

Antes, não me ligavam nenhuma. Gajos com o meu aspecto, dezenas; com a minha cultura, centenas; com os meus estudos, milhares; com a minha língua, milhões; com a religião que já pratiquei, ziliões; com a minha desintegração na sociedade... não conheço a palavra ao certo, mas acaba em «ões», de certeza.

Era só mais um. Mais um na matilha. Enfim, segundo consta, parece que antes era simplesmente mais um dos gajos que fazem parte da matilha dos que não querem fazer parte de nenhuma matilha. Enfim, um anódino, tolerável e pacífico.

De um momento para o outro, parecia que tinha viajado para tempos idos. Parecia que quase tinha ali (tantos) servos dedicados. Que se preocupavam como eu me sentia, como eu dormia, como eu andava ou como eu falava... (e eu nunca fui um gajo de se sentir mal; de ter pesadelos ou visões durante o sono; de ser um corredor ou um organizador de caminhadas para Fátima; nem, tampouco, um cantor de Ópera, para que ficassem tão interessados na minha voz...)

Só não se preocupavam com as minhas unhas. Mas nem precisavam de o fazer. Os visitantes partilhavam, com os servos, o peso de ter de tratar da minha aparência. E há que convir que as unhas grandes até se podem tornar perigosas...

O que me surpreendeu foi o nível da preocupação. A pergunta que os quase servos mais colocaram era, no mínimo, estranha.«Então, e tem defecado?»

Nem sei por onde começar. Entre outras coisas, há a questão da língua. «Defecar»

«Defecar» é um verbo feio. Feio, mas melhor que tantos outros. Que raio de pormenor que foram inventar. Realmente, é melhor dizer «defecar» do que «cagar», do que «borrar a sanita», e certamente bem melhor do que dizer «arrear o calhau», o que é simplesmente estúpido. Mas «caguei» para este assunto. É triste, ficar a saber assim, das «merdas» da nossa língua.

Além da questão linguística, tenho que admitir que não passava a vida a «farpar-me»1, nem tinha um aspecto fora do vulgar (no que toca à zona do sistema digestivo).

Como esta não será «A crítica da merda pura», tratarei apenas de mais um aspecto. Talvez, o mais relevante. Antes, não me ligavam. De um momento para o outro, parecia que as minhas fezes se haviam tornado figuras públicas. Como é que é possível que haja pessoas que se preocupam mais com o que sai do meu corpo, do que com os livros da Margarida Rebelo Pinto?

E antes, se era simplesmente mais um na maré, as minhas fezes acabavam por ser perfeitamente irrelevantes. Agora não. Indaguei um dos dedicados às minhas fezes.
Mais do que interessado em querer saber o porquê da importância das ditas, estava curioso acerca das opções que estas pessoas haviam feito, para chegarem a um ponto em que realmente se preocupavam muito com excrementos. Perguntei, precisamente, acerca das obras da Margarida Rebelo Pinto. A resposta do ex-compositor (segundo vim posteriormente a saber) foi simples:

«É a mesma coisa. Uma coisa sai de um, por um lado. A outra sai do outro, por outro lado. Escolhi interessar-me por algo que me permite, realmente, ajudar alguém.»

Aí, parece-me que fiquei a perceber um pouco mais. O altruísmo fazia aproximar-se mais de uma merda. Sempre é qualquer coisa. Os leitores da conhecida escritora não procuram as suas obras para ajudar ninguém. Aliás, porque é que as procuram, mesmo?



1 - Outro pormenor realmente merdoso da nossa língua. Parece que os inventores da lingua portuguesa não tinham intestinos e, daí, tivessem decidido escolher palavras e expressões feias, na melhor das hipóteses, ou mesmomuito estúpidas, também, para tudo o que tivesse a ver com os intestinos).

Talvez se diga mais vezes «a soltar uma "flatulência"» do que «uma farpa». Portanto, deveria ter dito que não sou um gajo que solte muitas flatulências, ou, se quisesse transformar o substantivo num verbo, diria que não sou um gajo que flatule muito.

Claro que, perante tal palavra, há quem prefira usar o calão... «Peidei-me» é simplesmente feio. No entanto, a infantilidade de «dei um pum» roça o ridículo. De certeza que vários de vocês brincavam com pistolas de brinquedo, quando eram crianças. E berravam, constantemente, «Pum! Pum! Pum», por vezes seguido de uma informação furiosa: «Estás morto! Morreste! Não te podes mexer!». Um gajo cresce, e vai aprendendo umas coisas. Mas ainda não percebo porque é que «Pum» era um tiro fictício, aos meus cinco anos, e agora tem só que ver com os gases. Sem ninguém me explicar nada.


quarta-feira, julho 08, 2009

segunda-feira, maio 18, 2009

Tertúlia Virtual

Sei que vou passar 10 anos numa pequena ilha deserta no Pacífico, e só posso levar cinco coisas. Demorou um bocado a pensar.

Posso levar até pessoas. Será que levo pessoas? Levo uma pessoa, sim. Necessariamente. Do sexo feminino e por quem eu me sinta atraído. E que me interesse, claro.

Um tabuleiro de xadrez.

Tenho que levar um livro. Ou o Cem Anos de Solidão, pelo título aqui tão apropriado, ou o Crime e Castigo, para me lembrar constantemente do período de 10 anos como uma pena, a castigar-me por algo absurdo.

Apesar de eu ser perto de inapto para a música, ser-me-ia impossível estar dez anos sem música. levava uma guitarra ultra-resistente, com cordas de aço, e ia aprender a tocar minimamente algo que me fizesse lembrar o trabalho dos que não só não são inaptos, como não estarão no raio da ilha.

Um bloco em branco do tamanho das páginas amarelas, acompanhado de uma caneta. Para escrever e desenhar...

quinta-feira, maio 14, 2009

Não me cerejes

Não sei o que fazer. Quem encontrar ou como falar russo.

Ando confuso. Acho difícil alguém ter paciência para mim. Eu, pelo menos, não teria. Qualquer coisa em demasia e qualquer coisa em falta. A sociedade é muito complicada.

Penso, penso e continuo sem perceber nada. Será pelo excesso de ferros no meu corpo ou perdi alguma coisa desde os cinco anos? Com cinco anos recebi vários elogios. Só que era, talvez, demasiado baixo. Arranjei um rumo. Tinha que crescer. E agora? Agora que já ultrapassei há anos o meu receio de ficar anão?

Já me disseram para recorrer à psicologia, para me tornar budista e para tentar beber um chá de cereja escandinava sempre que acordasse.

Tentei duas das hipóteses de cada vez, e fiquei muito preocupado com os escandinavos. Noruegos, suecos e dinamarqueses capazes apenas de pescar bacalhau e de plantar frutas demasiado salgadas.

Três países de misérias, que até à data não ocupavam mais do que três segundos do meu pensamento por mês. Apenas os relembrava quando me perguntavam o nome da capital do Burkina Faso, e me surgia sempre na cabeça a palavra Assen. Assim que pensava, sabia que estava errado, e sabia logo que Assen era uma cidade escandinava. Não sei de qual dos países, mas que é escandinava, tenho a certeza.

E agora penso frequentemente nesses coitadinhos. Sempre que tomo banho, lembro-me, com um arrepio, que não percebo como é que as cerejas escandinavas são usadas como isca. E depois, as que resultam, são retiradas do estômagos dos bacalhaus apanhados, e usadas para fazer chá.

E por causa disso, estou a pensar em tornar-me vegetariano. Coitadas das cerejas. Ninguém merece ser comido duas vezes. As coitadinhas das cerejas também sofrem.

Como é que os escandinavos vivem? Ele nunca vão seguir um rumo correcto. It’s not meant to be! Bem, na realidade tudo isto começou por causa da minha procura por um rumo. E deixa-me preocupado esta questão do rumo.

Será que eu estou a ser castigado por já ter bebido chá de cereja escandinava cerca de 66,3 vezes? Ou será que só me vou sentir melhor quando uma cereja escandinava beber um chá a partir do meu apêndice?

domingo, março 01, 2009

Metrossexual

À medida que ia crescendo, foi descobrindo um admirável mundo novo no que toca ao sexo.

Já sabia o que eram bissexuais, transsexuais e homossexuais. Aprendera tudo isso através de várias experiências, algumas a acabar em desilusões, mas continuava sem saber o que era um metrossexual.

Nascido em Carrazeda de Anciães, nunca percebera essa palavra, e foi viver para Lisboa para a descobrir.

Foi a todo o lado, viu de tudo e fez tudo o que era possível para aumentar o seu conhecimento do mundo. Aprendeu muito.

Ao voltar para Carrazeda de Anciães, todos estavam curiosos. Juntou uma pequena multidão de anciões, e disse-lhes:

"Não posso dizer que sei tudo, que descobri todos os mistérios, mas um já está resolvido. Já ouvimos falar de metrossexuais há anos, e eu andava cheio de dúvidas. Os metrossexuais têm sexo no metro! Em qualquer linha. E o presidente da Associação Portuguesa de Metrossexuais até conseguiu que todos tivessem bilhetes gratuitamente. Fantástico."

Faz uma pausa, faz um ar um pouco atrapalhado, e acrescenta:

"Por isso eu digo, não votem no Lisandro nas eleições. Eu continuo a ser contra a construção de metro aqui em Carrazeda."

sábado, fevereiro 28, 2009

Sinceramente...

Apenas uma palavra. E bonita. No entanto, bem capaz de travar ridiculamente a comunicação.

Ao longo do seu crescimento, integrara-se bem na comunicação intra-familiar e geralmente tinha sorte...

Quando perdeu as chaves do carro perdeu também a carteira, pejada de notas. Agora não tinha dinheiro para ir ao teatro, a peça que queria muito ir ver, que já estava nos últimos dias.

Teve que ir falar com o pai, e esperou que este se mostrasse tão caridoso como o seu homónimo (este bem mais mediático).

E Jesus apenas disse ao filho: "Eu, sinceramente..."

João tinha-lhe feito uma pergunta simples, e esperava um , claro. Já falava da peça há meses, e quando perguntou ao pai: "Emprestas-me dinheiro, p'r'aí uns 120 euros, para ir ao teatro e passar antes no Casal Ventoso?"

Fez a pergunta sem grande confiança, e isso fez-lhe parecer entender: "Eu, sinceramente, acho que se querias muito ir à peça, já devias estar a guardar dinheiro há 2 anos. Aprende a viver!"

Em resposta, limitou-se a dizer: "Com certeza..." - e saiu de casa.

Jesus nada disse, e ficou feliz a pensar que a comunicação correra bem. Ele imaginava algo diferente. "Eu, sinceramente, nunca precisei de pagar para ir ao teatro. Basta-me sempre dizer que sou amigo do grande Josué, e oferecem-me sempre a melhor cadeira."

E pensava que o filho pretendera responder qualquer coisa como: "Com certeza, têm que me deixar entrar. E vou ao Casal Ventoso também dizer que sou amigo de Josué e filho de Jesus. De certeza que também me safo..."

Feliz, Jesus estava feliz, pensava que o seu filho estava a ficar um homenzinho.

João saiu triste de casa. Não ia ao teatro nem ficar quieto e satisfeito. Não se sabe ao certo o que queria dizer, mas é possível que fosse: "Com certeza, eu não mereço estar sempre a pedir-te dinheiro. Um gajo chumba na 4ª classe e não devia ter mais de 1000 euros por mês como mesada..." ou "Com certeza, mas sem poder ir ao teatro nem drogar-me, acho que vou sair para contar o número de pedras da calçada desta rua."

E toda esta situação por causa de uma expressão estranha. "Eu, sinceramente..." - parece o anúncio publicitário da pessoa. Parece bradar aos céus que não irá permitir o aparecimento de uma mentira. Realmente, não mentiu. Também não disse nada, assim era impossível mentir.

Portanto, toda esta falha de comunicação apenas trouxe desvantagens ao João. Por outro lado, Jesus sempre poupou uns trocos. E lembrou-se do Josué, amigo de longa data, em quem já não pensava havia anos.

quinta-feira, fevereiro 26, 2009

E depois coiso... E tal...

E depois Manuela, como boa dona de casa, foi às compras.

Chegou ao mini-mercado e ficou à espera. Quando foi atendida, virou-se para o empregado e disse: "Só me faltam duas ou três coisas para fazer uma lasanha especial para o meu Jézinho."

O empregado deu-lhe carne picada, massa e um fémur bovino como bónus. Virou-se para a cliente e perguntou: "Está tudo? O que é que lhe falta?"

Manuela puxou pela cabeça atabalhoada porque estava a pensar na melhor maneira de ganhar o euro-milhões, estava lá quase, e acabou por dizer: "E depois coiso... E tal..." - e continuava a divagar pelos seus oceanos cerebrais que a iam levar à riqueza.

Realmente ela poderia estar a querer dizer: "E depois coiso... E tal... Não é preciso saber falar italiano para fazer este prato, pois não? É que eu lembrei-me agora de que chumbei no exame do 6º ano." - ou qualquer coisa mais religiosa como: "E depois coiso... E tal... Garante-me que não diz ao padre que ando a comer comida inventada lá no sítio da igreja, não garante?"

O que é certo é que, depois da sua frase, se criou um silêncio até ela perguntar que horas eram.

O que salvou a situação foi que o empregado nem ligou à resposta, porque não a percebeu, e limitou-se a juntar com os tomates verdes que a sua mãe usava, e depois a dizer-lhe as horas. A senhora que estava atrás, na fila, pensou que ela queria dizer: "E depois coiso... E tal... A puta da italiana que eu devia ter em casa é que devia estar aqui, eu já precisava de ir ao cabeleireiro." - e ficou a achar que ela era uma mal educada.

É com'<ó> outro...

Esta ainda é mais dramática. Se fosse a hipótese errada, assistia-se à morte de Jesus.

Depois de ter cortado as unhas a Manuela continuava deitado, na cama, a tentar ficar melhor. Manuela, preocupada como sempre, perguntou-lhe: "Estás melhor da gripe? A estas horas, já nem te deve doer o intestino delgado, pois não?"

Jesus, embevecido pelas festas relaxantes da Manuela, limitou-se a dizer "É com'<ó> outro..."

Satisfeita, com as melhorias do marido, depois de julgar escutar heroicamente: "É com'<ó> outro. Primeiro estranha-se. Depois entranha-se. E depois expulsa-se. Eu sou melhor a expulsar gripes que o Afonso Henriques a expulsar Muçulmanos." - ficou ela própria calma e relaxada.

Se ele quisesse dizer: "É com'<ó> outro, eu já sei que vou morrer cedo, disseram-me as sereias, portanto mais vale acelerar isto, estou farto de sofrer." ou "É com'<ó> outro, eu passo a vida a ajudar os outros, e quando eu estou pior que um inválido com 3 braços a tocar ferrinhos, e preciso de ajuda, ninguém faz nada!" - Um médico tinha que aparecer.

Mas por sorte não era nada assim tão dramático.

Se queres que te diga... 2

Por vezes elas são mesmo ruins, acabam por prejudicar as pessoas.

Jesus andava pela rua, a começar a sentir-se um pouco adoentado. Por cima da camisola de interior, apenas tinha uma gabardina. Encontrou o seu amigo de longa data, Júlio Baptista.

Ia cheio de pressa, e antes que Jesus pudesse falar, Júlio Baptista pediu-lhe rapidamente a gabardina emprestada. "Vou agora ter uma entrevista de emprego, estou atrasadíssimo e preciso mesmo da tua gabardina, não posso ir para lá a tremer. Emprestas-ma?"

Jesus, a sentir-se prestes a começar a ter que prestar mais atenção à gripe que iria aparecer assim do que à sua mulher, apenas disse: "Se queres que te diga..."

Júlio Baptista pulou de alegria, abraçou Jesus e tirou-lhe o casaco. Depois de (garante) ouvir: "Se queres que te diga, sabes perfeitamente que sou incapaz de te negar algo de que precises. Tudo de bom para ti e continua a tratar bem da minha mulher."

A gripe, quase a chegar, aposta que ouviu qualquer coisa como "Se queres que te diga, encontrei este casaco no fundo do rio Tejo, e subiu um anjo do inferno a dizer que guardar a gabardina sempre em cima de mim era a minha missão." ou "Se queres que te diga, estou com uma falta de memória absurda. Mas foste meu professor de Biologia quando tinha 3 anos, finalmente lembro-me!"

Fosse o que fosse, a gripe realmente chegou mesmo para ficar.

Sabes como é que é... 2

E assim, sem ninguém poder fazer nada perante o assunto, estava quase a criar-se uma família cheia de assuntos tabus.

O anjo familiar ficara a tomar conta de João durante o sono, e depois assistira a mais uma situação confusa.

João acordou e dirigiu-se à casa de banho para lavar os dentes. Não bateu à porta, entrou ensonado e sentiu-se muito embaraçado.

O pai, mais ainda. Estava a masturbar-se e acabara de ejacular. Depois do orgasmo, apenas balbuciou "Sabes como é que é..."

João pediu desculpa, virou as costas e saiu da casa de banho já melhor. Depois lhe parecer perceber "Sabes como é que é, quando tenho que ficar várias horas sem poder urinar venho aqui treinar a pilinha para depois não me sentir mal."

O anjo familiar ficou confuso, mas um pouco alegre. Ele andava de olho na Manuela. Podia ser que Jesus pensasse "Sabes como é que é, tu não me dás aquilo de que eu preciso, eu preciso de um homem na minha vida, de uma vez por todas." ou "Sabes como é que é, tenho que cumprir o contrato que assinámos no casamento, sempre que é ano bissexto, um de nós tem que atingir um orgasmo."

Uma coisa é certa. O João já tem idade para perceber do assunto, e não era o pai que lhe ia dar o livro de instruções, mas assim cinco palavras evitavam uma conversa que podia ser importante.

Se queres que te diga...

E aqui está outra bigamia pérfida. Elas pululam, as doidas. E eu nervoso, cada vez menos a acreditar em Deus, cansado de tanta bigamia.

"Se queres que te diga..." ou "Se queres que te diga," - Andam aí, e são gémeas a evitar.

Depois de ter ido à casa de banho, encontrou a mãe, algo preocupada. Parou logo de bater as claras em castelo, desceu do banco e disse: "Tu não devias sair de casa com essa gripe."

João ficou sem saber o que dizer, a sentir-se um pouco embaraçado. Deu um gole num copo de água e limitou-se a dizer: "Se queres que te diga..."

Manuela, a babosa mamã, sorriu e fez-lhe uma festinha no cabelo. "Vai lá, vai lá dormir. Dorme bem." - disse a mãe galinha depois de lhe lhe ter parecido ouvir "Se queres que te diga, já nem me lembrava que estava doente. Estou como novo! Tenho é algum sono."

E nem o anjo familiar saberá se João se sentiu inibido, e evitou dizer "Se queres que te diga, esse teu avental nojento, mais valia ser usado para acendalha." ou se lhe ocorreu simplesmente "Se queres que te diga, estou a sentir-me cada vez mais feliz sempre que vou para o rio Tejo até ficar com água pelos joelhos e danço um pouco."

Elas andam aí. E realmente andam aos pares. Evite-as.

quarta-feira, fevereiro 25, 2009

Sabes como é que é...

Nunca se sabe ao certo. Pode ser uma interrogação ou uma afirmação. "Sabes como é que é?" ou "Sabes como é que é..." - As pessoas têm uma relação bigâmica com estas frases gémeas.

João encontrava-se muito alcoolizado no meio de Lisboa e não sabia o que fazer. Precisava de voltar para casa e não sabia como, tinha perdido as chaves do carro. Depois de vomitar pela terceira vez, assaltou um camião e foi a conduzi-lo para casa. Ainda sujou um carro, ao vomitar pela janela num semáforo, mas lá chegou a casa.

Espetou-se contra a entrada do prédio, partindo as portas. Saiu do camião e lá conseguiu entrar. Nesse momento, cruzou-se com o seu pai, Jesus, um fantástico agente da autoridade.

Boquiaberto, não podia praguejar em frente ao seu filho porque isso iria contra a sua educação.

João só disse:

"É pá, estava no meio da cidade todo bêbado e perdi as chaves do carro." - depois de uma pausa, disse a tal frase: "Sabes como é que é..."

E teve sorte. Na sua cabeça, Jesus ouviu bem mais. Ouviu: "Sabes como é que é estar no meio de Lisboa e ter que voltar para casa de autocarro? Eles não desinfectam os bancos. É tão impossível como urinar fora de casa. Aliás, tenho que ir à casa de banho."

Jesus, pensando assim, apenas disse: "Vai lá, vai lá." - e saiu do prédio, contornando o camião.

E ainda não se sabe se João não estava simplesmente a pensar: "Sabes como é que é conduzir um camião?" ou "Sabes como é que é, quando se vomita para cima das chaves do carro, um gajo tem que se safar..."

Não se sabe, não se saberá, e não há lei que impeça esta poligamia linguística

3 Croissants, a conta que Deus fez

"Bom dia. Estou cheio de pressa, quero pagar e um Croissant de Ovo."

"Concerteza. 5,60 Euros."

"Não corte o Croissant ao meio."

"Corto, corto." - Enquanto tirava o Croissant para um prato com uma faca.

"Não, porque eu não quero."

"Ah, bom, então tá bem." - E cortou o Croissant ao meio, sorridente.

A partir daí, tudo se passou muito rapidamente, e merecia ter um realizador de filme de acção presente com uma equipa.

Ao pegar no Croissant partido, Joca nada conseguiu fazer senão saltar para o outro lado do balcão, e tudo lhe correu bem, excepto o troco.

Estavam lá 3 Croissants. Um já estava partido e ficou no balcão, o segundo esperava pronto num guardanapo para ser levado e o terceiro, inteiro também, ficou em cima do empregado.

Assim que saltou para o outro lado, apesar de estar com pressa, tirou das suas costas o instrumento que usava para o trabalho, apesar de ainda não serem horas. Joca era um lenhador, à beira da reforma.

Num ápice, cortou o empregado ao meio, curiosamente quase seu homónimo, mas escrito com "K". Depois de deixar ordeiramente as pernas ao lado do tronco, pousou o segundo Croissant em cima do empregado e riu-se quando viu a placa com o nome "Joka" escrito.

De seguida, tirou 6 euros da carteira. Tentou abrir a caixa. Não conseguiu, deixou os 6 euros no balcão e pegou no seu Croissant. Enquanto caminhava para a porta, ainda disse:

"E ainda levas gorjeta. Não devias, mas levas. Estás com sorte."

E depois de atravessar a porta, ainda se virou para trás e acrescentou:

"Tinha ou não tinha razão? O Croissant sem estar cortado é muito melhor. E dá mais jeito."

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

modo operacional

Estava preocupado, muito preocupado. Não sabia o que fazer, e tudo por causa do raio da testemunha de Jeová.

Encontrara uma na rua, com quem perdera tempo suficiente para tentar perceber porque é que eles afinal são contra as transfusões de sangue. E até percebeu. Perdeu duas horas e o segredo da sua identidade mas já sabe onde aparece na Bíblia deles (que agora para si é a mais real e verdadeira) que “não deverás consumir o sangue”.

Realmente, isto mudava para sempre a sua relação com a namorada. Ia passar a evitá-la sempre que estivesse com o período. Mas isso agora não o incomodava.

A testemunha de Jeová, na conversa, ficara a saber o nome de Jorge. Depois seguiu-o até casa (provavelmente seguindo um pedido de Deus).

Dois dias depois, estava à porta do seu prédio para lhe dar uma revista como surpresa, e enganou-se na casa. Tocou para o vizinho da frente. Um anarquista agnóstico e extremamente cuidadoso.

Apenas disse abruptamente que não se chamava Jorge, mas sim Jaime, e assim que se apercebeu que era uma testemunha de Jeová ficou preocupadíssimo e ligou logo para o pai de Jorge.

“Vieram aí à procura do teu filho e de certeza que querem conquistar esta merda toda. Tu faz qualquer coisa. E pensava que tentavas afastar o teu filho de todas as religiões. Que é esta merda?”

“Vou já para aí. Obrigado.” – agradeceu o preocupado pai.

Jorge foi avisado de que o vizinho chamara o seu pai, e daí a sua preocupação. Ficou à entrada do prédio à espera que o pai chegasse de Espanha, e que rezava para que não lhe acontecesse nada, indo assim contra a sua educação agnóstica.

Barnabé, o pai, chegou numa carrinha. Nesse momento saiu o seu vizinho do prédio. Barnabé saiu do carro e começou logo a berrar.

“Foda-se, testemunhas de Jeová, agora sou visitado por testemunhas de Jeová, é?”
Enquanto falava dirigiu-se à mala do carro para a abrir, e mostrou o cadáver de uma “Jeovala”, como ele prefere chamá-las.

O vizinho fez um sorriso, mas sempre disse:

“Tens que ter calma, eles não acabam assim.”

O filho, assustado, ficou boquiaberto, e depois de pedir desculpa mais uma vez, disse: “Papá, se eu ficar constipado não vais poder matar todos os micróbios do mundo. E por teres despachado uma Jeovala, como tu costumas dizer, eles vão continuar a andar por aí…”

Barnabé ficou furioso, tirou da mala um saco de víveres, uma bazooka e uma faca do mato. Depois de fechar, trancar e verificar que estava trancado, começou a andar para a entrada do prédio, e apenas afirmou:


"Vocês não conhecem o meu modo operacional.
A partir de agora não quero ouvir nem mais uma palavra. Quem falar é considerado Jeovalo e é abatido.”

A partir daí viveram seguros, nunca sendo afectados pelas explosões que vitimizavam as testemunhas de Jeová. No entanto Jorge continuava preocupado.

Apanhara, anos e anos antes, o tique de dizer “Jesus!” depois de espirrar e não o conseguia evitar. O pai já lhe tinha batido por causa do assunto, mas antes do assunto da testemunha de Jeová. Jorge tinha medo, com o Inverno a aparecer, de espirrar, não conseguir evitar o seu tique irritante e assim perdeu a vida. Logo no dia 25 de Dezembro tinha que lhe sair a palavra proibida da boca.

Há azares inexplicáveis.

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Virgindade

Joana não sabia o que fazer. Não queria pensar em ter relações sexuais antes do casamento mas não conseguia pensar noutra coisa.

E ainda por cima estava a chegar o Verão.

E não, a sua preocupação não era a de as moças e os moços ficarem com as hormonas aos saltitos.

Não era de usar menos roupa e atrair alguém, não era de os outros usarem menos roupa e a atraírem.

Era ter muita vontade de comer gelados com o calor.

E a Joana, desde o seu primeiro gelado da “Olá” aos 5 anos, sentia contracções em todo o corpo.

Conforme os anos foram passando e o seu corpo crescendo, percebeu que a “Olá” aumentava a sua pulsão sexual.

Se pensava no seu gelado preferido, passou do minúsculo “Mini-Milk”, aos 5 anos, ao “Super-Pau”, aos 10 aninhos. Enganava-se sempre, misturava sempre os nomes de dois gelados. Mas gostava.

Claro que nunca deixava passar nenhuma informação acerca da relação entre o seu apetite sexual e a sua vontade de comer gelados, mas aos 14 anos esteve quase a perder precocemente a virgindade.

E aqui, realmente valeu-lhe a pena a relação entre os gelados da “Olá” e o sexo.

No fim de um dia muito quente, passeava feliz com o Nuno. Passaram num café para levarem gelados e foram para casa do Nuno.

Depois dos gelados, de duas danças de salsa e 45 segundos de chá-chá-chá, começaram freneticamente aos beijos. Daí a ficarem sem roupas foi um pulo, e tudo parou um pouco quando voltou à cabeça da Joana a questão da virgindade.

Nuno estava claramente com vontade de fazer tudo e mais alguma coisa, mas Joana queria preservar a virgindade e fazer tudo o resto que lhe ocorresse.

Mas não lhe ocorria nada.

Não queria estragar o ambiente nem desiludir Nuno. Perante um instrumento novo no qual não sabia mexer, ficou confusa, olhou para o lado e viu as embalagens dos gelados que haviam comido.

E nesse momento percebeu finalmente porque é que a relação entre a sua vida sexual e a “Olá” era tão forte. Virou-se para o Nuno e disse:
“Olha,perder a virgindade está fora de questão, mas fazemos um negócio: Eu faço aquilo que fiz enquanto vínhamos para casa. Sim. Exactamente como se fosse um Callipo.”

Na altura realmente ficou virgem e feliz. Mais tarde casou-se com um Guarda-florestal. Hoje em dia é feliz e tem filhos.

A única coisa má na história é que o Nuno nunca mais comeu Callipos, pensa sempre na pequena trinca que se dá mesmo sem estar planeada.

os pedaços insignificantes que se apoderam de tanto

"Aposto que não estavas a pensar em mim!"

José abre os olhos e esfrega-os lentamente enquanto se apercebe da figura furiosa da Susana. Antes de conseguir dizer fosse o que fosse, volta a ouvir a voz estridente:

"Sempre a pensar na puta das formigas, eu tenho a certeza!!! Puta das formigas, sempre a puta das formigas."

Quase como se tivesse insultado a mãezinha delas, as três formigas picaram-na furiosas. Já sabiam que a probabilidade de sobreviverem era baixa, mas para aqueles insultos constantes já não havia paciência. Desistiram do pequeno ensaio que estavam naquele momento a fazer, e pararam de dançar samba no pescoço da gritante Susana. Picara-na e sugaram o máximo de sangue possível como se fossem vampiras, como se fossem do lado negro, enfim, como se não houvesse amanhã.

Susana matou aquelas três tristes formiguinhas em meio segundo, com a vontade de que fosse possível matar todas as formigas deste mundo.

"E não me largam, não me deixam estar em paz, agora tou cheia de dor por causa delas..." - guinchou enquanto se limpava.

Olhou à volta à procura de mais formigas. Olhou para José nos olhos usando o olhar ameaçador que aprendera com um tio-avô que fizera parte da Gestapo. José nem por dentro tremeu, ele tinha a certeza que não era uma formiga. E não se sentia nada capaz de dizimar espécies...

Susana desvia o olhar de José e começa a chorar. José suspira, nem lhe chega a perguntar nada e volta a fechar os olhos, mas não se safa de a ouvir:

"Não consigo, não consigo, não consigo... Eu até posso nem sair da cama quando acordo durante um mês, mas pelo menos uma delas aparece mais cedo ou mais tarde... Mesmo se não aparecer nenhuma, eu sei que elas estão lá... Não sei onde, mas estão lá...Por aí..."

José continua em silêncio, mas pensa: "Quando me lembro que quando tinha 7 anos e meio queria ter formigas como animais de estimação até fico arrepiado... E cometi o erro de lhe dizer isso há umas décadas. O que fazer? Parece que o futuro é feio, espero que as formigas o mordam..."

segunda-feira, janeiro 26, 2009

Confronto de Titãs

A batalha já dura há anos, séculos, e quase que se ia entrando na 3ª Guerra Mundial por causa de um assunto tão tonto.

Comida Crua Vs Comida Cozinhada.

Para perceber a razão de tal luta há-que estudar o aparecimento da comida cozinhada e o re-aparecimento da comida crua.

Antes, todos comiam comida crua. Depois, houve um gajo (provavelmente sueco) a inventar o fogo e a ingestão de cachorros quentes, entre outros, tornou-se universal. Finalmente, um bando de amantes do revivalismo muito amantes da natureza começaram a rejeitar o fogo e a preparar toda a comida como os macaquinhos o fazem.

Consideravam, claro, que cozinhar era anti-natura e nem sequer para se aquecerem acendiam um lareira. Aqueciam-se através do exercício físico, ou seja, a bater ferozmente em todas as pessoas que pudessem ter os dedos chamuscados.

E pronto, tudo ia assim até à chamada "aldeia global" ter misturado mais os dois mundos. Os restaurantes de comida crua, vulgarmente conhecidos como restaurantes de sushi, saíram da Ásia e estão em todo o lado. Já não há continentes sem sushi, países sem sushi, ou mesmo cidades sem sushi.

Os adeptos da comida cozinhada tornaram-se agressivos, destruíram milhares de restaurantes por todo o lado. As retaliações foram terríveis e a ONU teve que se meter no assunto.

Após meses de negociações, chegou-se a uma solução que não agrada a nenhum dos dois lados, mas que pelo menos não desagrada demais a nenhum dos lados.

Os restaurantes de sushi não foram proibidos, claro, e podem continuar a servir comida crua, mas são obrigados a ter gás que lhes permita servir bebidas quentes. Realmente, os chás não são cozinhados, mas realmente não existiam na natureza, são um pouquinho anti-natura.

Agora tudo parece estar um pouco mais calmo, depois de ter desaparecido das cabeças de muitos a vontade de obrigar a comer comida crua com bebidas quentes. Nunca houve nenhuma lei em vigor a defender tal coisa, mas realmente muitos escolhem fazê-lo e agora realmente há paz.

domingo, janeiro 25, 2009

Duas Bofas

Filho de um grande borguista já com 72 anos, o homem seguiu os seus passos e acabou por se tornar um comuna. Um comuna a sério. Não comia crianças ao pequeno-almoço mas claramente sabia borgar.

E os assuntos estavam intimamente ligados. Fazia-lhe confusão que o pai tivesse tido tantas dificuldades em borgar com mais de duas pessoas como companhia no meio da rua porque isso já era um ajuntamento segundo a lei fascista, papal ou fosse lá o que fosse.

Por sorte, nascera no 25 de Abril, portanto quando lhe deu para borgar já ninguém o podia chatear.

Lutava na mesma contra o sistema, a meio das suas borgas, sempre em nome do pai, e julgava que já sabia tudo.

Um dia viu que Salazar afinal ainda estava vivo. Bem vivo e casado, e andava ainda mais restritivo. Estava acompanhado, na arrecadação de um amigo em arrumações, quando a meio de um pouco barulhento jogo de sardinha foram interrompidos.

Depois de bater à porta, o novamente nascido ex-líder teve que exercer o seu poder. Não lhes podia dizer que era um ajuntamento, já não havia essa lei. Não lhes podia dizer sequer que estavam a roubar a caixa de esmolas.

Limitou-se a dizer em sussurro: "Ou vocês se calam ou dou duas bofas na minha mulher!"

A mini multidão, se a quiserem chamar assim, acalmou-se e acabou por se ir embora. O borguista comuna mudou as suas ideias. O comunismo não tinha força suficiente, já não lhe servia para nada.

Pensou, pensou sobre as palavras do ex-defunto e sempre aprendeu alguma coisa, já é uma pessoa diferente.

Agora já não é comunista, mas sim um monárquico a estudar para padre e acordado todos os dias apenas das 8h00m às 20h00m.

A vida evolui. E realmente nunca mais pensou que nunca conseguiria comer crianças ao pequeno-almoço, nem nunca mais pensou em borgar. Vivendo e aprendendo, este passou a ser o seu lema.

sexta-feira, janeiro 23, 2009

Lei Desumana

Já não se respeita ninguém. As mulheres realmente já podem votar, mas há países em que não respeitam as perdas dos sentidos das pessoas.

Na Roménia, saiu há três meses uma lei calamitosa e polémica. A perda de sentidos passou a ser proibida. Daí aos campos de concentração de cegos foi um ápice. Os sem-paladar, os sem-olfacto e os sem-tacto são escravizados pelo estado porque não incomodam. Os surdos começaram a ser descobertos e sodomizados pelo exército romeno.

O mundo civilizado andava revoltado, e em portugal surgiu um movimento fora do vulgar contra a Roménia. Tudo graças ao grande Josué, o cigano de Mirandela, cuja filhinha, por acaso surda-muda, emigrara para a roménia para se casar. Ficou possesso, o pobre pai. Fez tudo para que fosse possìvel salvar a sua Ermelinda.

Durante um bom tempo, houve voos gratuitos e fronteiras abertas para todas as ciganas até Portugal. Lisboa está agora ansiosa pelo aparecimento da Ermelinda e as ruas encheram-se de pessoas a fazer de tudo contra a lei desumana contra os sentidos.

Depois de várias manifestações, hoje em dia dá-se calmamente um acontecimento muito mais nobre. As surdas-mudas saíram para a rua, e mesmo sem falar com elas, podemos e devemos todos contribuir financeiramente para as melhorias das pobres vidas delas.

Sempre é qualquer coisa! E se tivermos sorte até ficamos com o nome escrito algures (não podem ser todos, pensem nas árvores).

Viva Portugal, viva a Democracia!

domingo, janeiro 11, 2009

Chui

Há coisas fantásticas, não há? E sem dúvida que temos sorte por sermos portugueses e falar português. Que língua tão linda, espantosa, digna de escritores mesmo que eles próprios não mereçam. Mas basta de coincidências. Chui. Que palavra estranha. Aposto que toda gente já a leu algures. Na banda desenhada, na televisão, se calhar até numa casa de banho pública.

Há umas noites, perdido obviamente em pensamentos acerca do poruguês, quando estava quase a descortinar o neerlandês, passaram dois polícias por mim a transportarem um preso. Na altura estava num sítio publico, e a revolta começou primeiro a ronronar, crescendo até ao som de um terramoto enquanto a distância aumentava.

Depois de "A tue mãe é um homem!", "Vão ser agressivos para a bielo-rússia!" ou "Fiat 600 na virgem e nunca corras que a bófia já te ultrapassou com os copos!", no meio de vários insultos extremamente inteligentes, bem construídos e educacionais, saiu da boca de um grande monárquico a maravilhosa palavra "Chui!"

E aí percebi tudo, ou acho que sim. Se, até à palavra única e especial, os excelentíssimos agentes da autoridade tinham continuado a andar calmamente, guiando caridosamente o prisioneiro para um sítio mais abrigado, ao ouvirem "Chui!" tudo mudou. Melhor que as tropas de elite, organizaram-se rapidamente, tendo um dos agentes começava a descer calmamente a rua em direcção a revolta outrora ronronante. O outro correu melhor que o Obikwelu, para vergonha deste, até chegar até à multidão.

Qual não foi o espanto da multidão com a transformação mágica do meliante numa borboleta que desaparecera do alcance de todos antes que alguém conseguisse fazer alguma coisa.

Os agentes da autoridade, após uns momentos de calma reflexão silenciosa enquanto se aproximavam, decidiram explicar à multidão o perigo da utilização criminosa da palavra "Chui".

"Tal palavra é o pior insulto desta língua nobre que temos a sorte de poder utilizar. Sei perfeitamente que a palavra «Chui» apenas pretende afectar o poder do excelente anão que foi o meu pai na minha cabeça. Ninguém, ninguém a pode usar."

Quase a chorar, o senhor acrescentou: "Só a minha mãe a pode usar, por ser filha de um agente, casada com outro e mãe de outro. E mesmo assim, só a pode utilizar quando está numa daquelas alturas do mês."

Depois de o sermão ser absorvido por todos, enquanto os agentes se afastavam, a múltidão juntou-se e, em uníssono, decidiu rezar uma "Avé Maria" de joelhos, apenas para garantir que a pobre língua portuguesa não rebolava na campa.

Foi um dia diferente. Aprendi quase tudo o que precisava se saber. E a frase "O Chui é nojento!" passa a fazer muito mais sentido, apesar de não a dizer.

quinta-feira, janeiro 08, 2009

falar estrangeiro

"Eu não consigo falar estrangeiro."

E pronto, vivia um bocado infeliz, ia ter que viver sempre no mesmo sítio.

Ia poder, no máximo, conhecer dez milhões de pessoas a falar o mesmo que ele. Dez Milhões, só dez milhões, perguntam vocês. "Sim, porque os que vivem lá fora já foram infectados e não se pode dizer que os brasileiros falam português. Eu, pelo menos, não percebo nada do que eles dizem."

Começou a ficar mais calmo quando acabou os estudos básicos de matemática e, ao ver que só conhecia cinco pessoas, chegou racionalmente à conclusão de que iria precisar de sete vidas e meia para conhecer os dez milhões. E ainda corria o risco de, no processo, o número aumentar.

Só ficou mais calmo e mais próximo de não se tornar infeliz na sequência de um acontecimento triste e fora do vulgar.

Estava a ir para casa normalmente. Eram 5 da manhã e atravessava a rua a fazer piruetas, as connhecidas pirouettes tornadas famosas pelo ballet, cujo nome para ele era uma coisa estranha.

Foi cercado por um bando de portugueses bem vestidos, usando em grupo resplandescentes colarinhos brancos. Conseguia perceber quase tudo o que diziam enquanto o espancavam. Conversas acerca das mães e das filhas dos outros, e algum resmungo em estrangeiro, que tinha um ritmo semelhante à "Ave Maria".

E eles ouviam-no? Não, claro que não. À partida tinham tudo para o perceber; e ignoravam-no enquanto lhe arrancavam a perna direita.

E percebeu. Percebeu finalmente que nem sequer ia conhecer os tais dez milhões. Havia muitos que não interessavam para nada e era pouco provável que conseguisse chegar ao fim das sete vidas e meia.

Estava cada vez mais feliz com as três pessoas que conhecia (duas tinham morrido entretanto). E ficou sem uma perna, mas ao menos isso nunca o iria impedir de atravessar a rua a fazer piruetas.

E por acaso, quando fez 70 anos, recebeu como prenda um quadro com a palavra "pirouettes" lá pintada, e explicaram-lha. Apesar de tudo, aos 70 anos sentia-se um homem novo, e já sabia estrangeiro.

Pelo menos uma palavra.

quarta-feira, janeiro 07, 2009

De rir. Mas não até à morte

O gajo que achava demasiada piada a si próprio andava sisudo, preocupado, preocupadíssimo.

Um dia em que se achava estranhamento sério decidiu ver sózinho, a fazer o pino, um pouco do Monty Python's Flying Circus. E teve azar. Caiu-lhe logo a piada tão boa que era mortífera, utilizada na WWII.

E começou a ter medo de si próprio. Realmente, não se costumava rir, ou pelo menos não muito alto. A vida inteira achara que rir um pouco só lhe podia fazer bem. E gostava, gostava muito de se rir um pouco, e raramente conseguia.

Em vez de parecer um miúdo viciado na comida da mamã, andava viciado nas suas próprias piadas, achava que tinha encontrado a única coisa capaz de o fazer rir. Os outros produziam quanto muito alguma comichão e um sorriso mal esboçado.

E nesta altura, em que andava muito mais preocupado e sério, cada vez mais com a certeza de que não ia ganhar a lotaria nem um tio milionário à beira da morte, ria-se menos, muito menos. Já cortara a risada diária antes do pequeno almoço e ria-se por regra duas vezes por semana.

Andava com o sentido de humor um pouco mais adormecido, mas com o ego inchado, superior ao tamanho do sol. Portanto tinha medo, medo que uma das suas poucas piadas fosse tornar-se a tal. Tornar-se mortífera e aniquilá-lo de vez.

A existir alguma piada mortífera, apenas podia ser muito boa, genial, fantástica, ao ponto de enganar a vida, e só podia ser dele.

E ainda por cima o seu médico pessoal tinha-se tornado budista e emigrado para o Tibete.

Estava preocupadíssimo, e tornou-se um gajo insuportável. Ninguém o ia poder ajudar e ele perdera o sono; e o riso. Mas ganhara, segundo os seus pensamentos, anos de vida. Agora vivia calmo, sisudo, triste, sério mas vivo.

Agora claramente já não acha demasiada piada a si próprio, aliás a achar algo, acha piada de menos a si próprio.

Anda é preocupado, porque está convencido de que a piada mortífera anda aí, e vai matar alguém sem que ele possa fazer nada. Mas ao menos não se vai rir quando ele morrer, acha ele, portanto não morre.