"Aposto que não estavas a pensar em mim!"
José abre os olhos e esfrega-os lentamente enquanto se apercebe da figura furiosa da Susana. Antes de conseguir dizer fosse o que fosse, volta a ouvir a voz estridente:
"Sempre a pensar na puta das formigas, eu tenho a certeza!!! Puta das formigas, sempre a puta das formigas."
Quase como se tivesse insultado a mãezinha delas, as três formigas picaram-na furiosas. Já sabiam que a probabilidade de sobreviverem era baixa, mas para aqueles insultos constantes já não havia paciência. Desistiram do pequeno ensaio que estavam naquele momento a fazer, e pararam de dançar samba no pescoço da gritante Susana. Picara-na e sugaram o máximo de sangue possível como se fossem vampiras, como se fossem do lado negro, enfim, como se não houvesse amanhã.
Susana matou aquelas três tristes formiguinhas em meio segundo, com a vontade de que fosse possível matar todas as formigas deste mundo.
"E não me largam, não me deixam estar em paz, agora tou cheia de dor por causa delas..." - guinchou enquanto se limpava.
Olhou à volta à procura de mais formigas. Olhou para José nos olhos usando o olhar ameaçador que aprendera com um tio-avô que fizera parte da Gestapo. José nem por dentro tremeu, ele tinha a certeza que não era uma formiga. E não se sentia nada capaz de dizimar espécies...
Susana desvia o olhar de José e começa a chorar. José suspira, nem lhe chega a perguntar nada e volta a fechar os olhos, mas não se safa de a ouvir:
"Não consigo, não consigo, não consigo... Eu até posso nem sair da cama quando acordo durante um mês, mas pelo menos uma delas aparece mais cedo ou mais tarde... Mesmo se não aparecer nenhuma, eu sei que elas estão lá... Não sei onde, mas estão lá...Por aí..."
José continua em silêncio, mas pensa: "Quando me lembro que quando tinha 7 anos e meio queria ter formigas como animais de estimação até fico arrepiado... E cometi o erro de lhe dizer isso há umas décadas. O que fazer? Parece que o futuro é feio, espero que as formigas o mordam..."
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