segunda-feira, janeiro 26, 2009

Confronto de Titãs

A batalha já dura há anos, séculos, e quase que se ia entrando na 3ª Guerra Mundial por causa de um assunto tão tonto.

Comida Crua Vs Comida Cozinhada.

Para perceber a razão de tal luta há-que estudar o aparecimento da comida cozinhada e o re-aparecimento da comida crua.

Antes, todos comiam comida crua. Depois, houve um gajo (provavelmente sueco) a inventar o fogo e a ingestão de cachorros quentes, entre outros, tornou-se universal. Finalmente, um bando de amantes do revivalismo muito amantes da natureza começaram a rejeitar o fogo e a preparar toda a comida como os macaquinhos o fazem.

Consideravam, claro, que cozinhar era anti-natura e nem sequer para se aquecerem acendiam um lareira. Aqueciam-se através do exercício físico, ou seja, a bater ferozmente em todas as pessoas que pudessem ter os dedos chamuscados.

E pronto, tudo ia assim até à chamada "aldeia global" ter misturado mais os dois mundos. Os restaurantes de comida crua, vulgarmente conhecidos como restaurantes de sushi, saíram da Ásia e estão em todo o lado. Já não há continentes sem sushi, países sem sushi, ou mesmo cidades sem sushi.

Os adeptos da comida cozinhada tornaram-se agressivos, destruíram milhares de restaurantes por todo o lado. As retaliações foram terríveis e a ONU teve que se meter no assunto.

Após meses de negociações, chegou-se a uma solução que não agrada a nenhum dos dois lados, mas que pelo menos não desagrada demais a nenhum dos lados.

Os restaurantes de sushi não foram proibidos, claro, e podem continuar a servir comida crua, mas são obrigados a ter gás que lhes permita servir bebidas quentes. Realmente, os chás não são cozinhados, mas realmente não existiam na natureza, são um pouquinho anti-natura.

Agora tudo parece estar um pouco mais calmo, depois de ter desaparecido das cabeças de muitos a vontade de obrigar a comer comida crua com bebidas quentes. Nunca houve nenhuma lei em vigor a defender tal coisa, mas realmente muitos escolhem fazê-lo e agora realmente há paz.

domingo, janeiro 25, 2009

Duas Bofas

Filho de um grande borguista já com 72 anos, o homem seguiu os seus passos e acabou por se tornar um comuna. Um comuna a sério. Não comia crianças ao pequeno-almoço mas claramente sabia borgar.

E os assuntos estavam intimamente ligados. Fazia-lhe confusão que o pai tivesse tido tantas dificuldades em borgar com mais de duas pessoas como companhia no meio da rua porque isso já era um ajuntamento segundo a lei fascista, papal ou fosse lá o que fosse.

Por sorte, nascera no 25 de Abril, portanto quando lhe deu para borgar já ninguém o podia chatear.

Lutava na mesma contra o sistema, a meio das suas borgas, sempre em nome do pai, e julgava que já sabia tudo.

Um dia viu que Salazar afinal ainda estava vivo. Bem vivo e casado, e andava ainda mais restritivo. Estava acompanhado, na arrecadação de um amigo em arrumações, quando a meio de um pouco barulhento jogo de sardinha foram interrompidos.

Depois de bater à porta, o novamente nascido ex-líder teve que exercer o seu poder. Não lhes podia dizer que era um ajuntamento, já não havia essa lei. Não lhes podia dizer sequer que estavam a roubar a caixa de esmolas.

Limitou-se a dizer em sussurro: "Ou vocês se calam ou dou duas bofas na minha mulher!"

A mini multidão, se a quiserem chamar assim, acalmou-se e acabou por se ir embora. O borguista comuna mudou as suas ideias. O comunismo não tinha força suficiente, já não lhe servia para nada.

Pensou, pensou sobre as palavras do ex-defunto e sempre aprendeu alguma coisa, já é uma pessoa diferente.

Agora já não é comunista, mas sim um monárquico a estudar para padre e acordado todos os dias apenas das 8h00m às 20h00m.

A vida evolui. E realmente nunca mais pensou que nunca conseguiria comer crianças ao pequeno-almoço, nem nunca mais pensou em borgar. Vivendo e aprendendo, este passou a ser o seu lema.

sexta-feira, janeiro 23, 2009

Lei Desumana

Já não se respeita ninguém. As mulheres realmente já podem votar, mas há países em que não respeitam as perdas dos sentidos das pessoas.

Na Roménia, saiu há três meses uma lei calamitosa e polémica. A perda de sentidos passou a ser proibida. Daí aos campos de concentração de cegos foi um ápice. Os sem-paladar, os sem-olfacto e os sem-tacto são escravizados pelo estado porque não incomodam. Os surdos começaram a ser descobertos e sodomizados pelo exército romeno.

O mundo civilizado andava revoltado, e em portugal surgiu um movimento fora do vulgar contra a Roménia. Tudo graças ao grande Josué, o cigano de Mirandela, cuja filhinha, por acaso surda-muda, emigrara para a roménia para se casar. Ficou possesso, o pobre pai. Fez tudo para que fosse possìvel salvar a sua Ermelinda.

Durante um bom tempo, houve voos gratuitos e fronteiras abertas para todas as ciganas até Portugal. Lisboa está agora ansiosa pelo aparecimento da Ermelinda e as ruas encheram-se de pessoas a fazer de tudo contra a lei desumana contra os sentidos.

Depois de várias manifestações, hoje em dia dá-se calmamente um acontecimento muito mais nobre. As surdas-mudas saíram para a rua, e mesmo sem falar com elas, podemos e devemos todos contribuir financeiramente para as melhorias das pobres vidas delas.

Sempre é qualquer coisa! E se tivermos sorte até ficamos com o nome escrito algures (não podem ser todos, pensem nas árvores).

Viva Portugal, viva a Democracia!

domingo, janeiro 11, 2009

Chui

Há coisas fantásticas, não há? E sem dúvida que temos sorte por sermos portugueses e falar português. Que língua tão linda, espantosa, digna de escritores mesmo que eles próprios não mereçam. Mas basta de coincidências. Chui. Que palavra estranha. Aposto que toda gente já a leu algures. Na banda desenhada, na televisão, se calhar até numa casa de banho pública.

Há umas noites, perdido obviamente em pensamentos acerca do poruguês, quando estava quase a descortinar o neerlandês, passaram dois polícias por mim a transportarem um preso. Na altura estava num sítio publico, e a revolta começou primeiro a ronronar, crescendo até ao som de um terramoto enquanto a distância aumentava.

Depois de "A tue mãe é um homem!", "Vão ser agressivos para a bielo-rússia!" ou "Fiat 600 na virgem e nunca corras que a bófia já te ultrapassou com os copos!", no meio de vários insultos extremamente inteligentes, bem construídos e educacionais, saiu da boca de um grande monárquico a maravilhosa palavra "Chui!"

E aí percebi tudo, ou acho que sim. Se, até à palavra única e especial, os excelentíssimos agentes da autoridade tinham continuado a andar calmamente, guiando caridosamente o prisioneiro para um sítio mais abrigado, ao ouvirem "Chui!" tudo mudou. Melhor que as tropas de elite, organizaram-se rapidamente, tendo um dos agentes começava a descer calmamente a rua em direcção a revolta outrora ronronante. O outro correu melhor que o Obikwelu, para vergonha deste, até chegar até à multidão.

Qual não foi o espanto da multidão com a transformação mágica do meliante numa borboleta que desaparecera do alcance de todos antes que alguém conseguisse fazer alguma coisa.

Os agentes da autoridade, após uns momentos de calma reflexão silenciosa enquanto se aproximavam, decidiram explicar à multidão o perigo da utilização criminosa da palavra "Chui".

"Tal palavra é o pior insulto desta língua nobre que temos a sorte de poder utilizar. Sei perfeitamente que a palavra «Chui» apenas pretende afectar o poder do excelente anão que foi o meu pai na minha cabeça. Ninguém, ninguém a pode usar."

Quase a chorar, o senhor acrescentou: "Só a minha mãe a pode usar, por ser filha de um agente, casada com outro e mãe de outro. E mesmo assim, só a pode utilizar quando está numa daquelas alturas do mês."

Depois de o sermão ser absorvido por todos, enquanto os agentes se afastavam, a múltidão juntou-se e, em uníssono, decidiu rezar uma "Avé Maria" de joelhos, apenas para garantir que a pobre língua portuguesa não rebolava na campa.

Foi um dia diferente. Aprendi quase tudo o que precisava se saber. E a frase "O Chui é nojento!" passa a fazer muito mais sentido, apesar de não a dizer.

quinta-feira, janeiro 08, 2009

falar estrangeiro

"Eu não consigo falar estrangeiro."

E pronto, vivia um bocado infeliz, ia ter que viver sempre no mesmo sítio.

Ia poder, no máximo, conhecer dez milhões de pessoas a falar o mesmo que ele. Dez Milhões, só dez milhões, perguntam vocês. "Sim, porque os que vivem lá fora já foram infectados e não se pode dizer que os brasileiros falam português. Eu, pelo menos, não percebo nada do que eles dizem."

Começou a ficar mais calmo quando acabou os estudos básicos de matemática e, ao ver que só conhecia cinco pessoas, chegou racionalmente à conclusão de que iria precisar de sete vidas e meia para conhecer os dez milhões. E ainda corria o risco de, no processo, o número aumentar.

Só ficou mais calmo e mais próximo de não se tornar infeliz na sequência de um acontecimento triste e fora do vulgar.

Estava a ir para casa normalmente. Eram 5 da manhã e atravessava a rua a fazer piruetas, as connhecidas pirouettes tornadas famosas pelo ballet, cujo nome para ele era uma coisa estranha.

Foi cercado por um bando de portugueses bem vestidos, usando em grupo resplandescentes colarinhos brancos. Conseguia perceber quase tudo o que diziam enquanto o espancavam. Conversas acerca das mães e das filhas dos outros, e algum resmungo em estrangeiro, que tinha um ritmo semelhante à "Ave Maria".

E eles ouviam-no? Não, claro que não. À partida tinham tudo para o perceber; e ignoravam-no enquanto lhe arrancavam a perna direita.

E percebeu. Percebeu finalmente que nem sequer ia conhecer os tais dez milhões. Havia muitos que não interessavam para nada e era pouco provável que conseguisse chegar ao fim das sete vidas e meia.

Estava cada vez mais feliz com as três pessoas que conhecia (duas tinham morrido entretanto). E ficou sem uma perna, mas ao menos isso nunca o iria impedir de atravessar a rua a fazer piruetas.

E por acaso, quando fez 70 anos, recebeu como prenda um quadro com a palavra "pirouettes" lá pintada, e explicaram-lha. Apesar de tudo, aos 70 anos sentia-se um homem novo, e já sabia estrangeiro.

Pelo menos uma palavra.

quarta-feira, janeiro 07, 2009

De rir. Mas não até à morte

O gajo que achava demasiada piada a si próprio andava sisudo, preocupado, preocupadíssimo.

Um dia em que se achava estranhamento sério decidiu ver sózinho, a fazer o pino, um pouco do Monty Python's Flying Circus. E teve azar. Caiu-lhe logo a piada tão boa que era mortífera, utilizada na WWII.

E começou a ter medo de si próprio. Realmente, não se costumava rir, ou pelo menos não muito alto. A vida inteira achara que rir um pouco só lhe podia fazer bem. E gostava, gostava muito de se rir um pouco, e raramente conseguia.

Em vez de parecer um miúdo viciado na comida da mamã, andava viciado nas suas próprias piadas, achava que tinha encontrado a única coisa capaz de o fazer rir. Os outros produziam quanto muito alguma comichão e um sorriso mal esboçado.

E nesta altura, em que andava muito mais preocupado e sério, cada vez mais com a certeza de que não ia ganhar a lotaria nem um tio milionário à beira da morte, ria-se menos, muito menos. Já cortara a risada diária antes do pequeno almoço e ria-se por regra duas vezes por semana.

Andava com o sentido de humor um pouco mais adormecido, mas com o ego inchado, superior ao tamanho do sol. Portanto tinha medo, medo que uma das suas poucas piadas fosse tornar-se a tal. Tornar-se mortífera e aniquilá-lo de vez.

A existir alguma piada mortífera, apenas podia ser muito boa, genial, fantástica, ao ponto de enganar a vida, e só podia ser dele.

E ainda por cima o seu médico pessoal tinha-se tornado budista e emigrado para o Tibete.

Estava preocupadíssimo, e tornou-se um gajo insuportável. Ninguém o ia poder ajudar e ele perdera o sono; e o riso. Mas ganhara, segundo os seus pensamentos, anos de vida. Agora vivia calmo, sisudo, triste, sério mas vivo.

Agora claramente já não acha demasiada piada a si próprio, aliás a achar algo, acha piada de menos a si próprio.

Anda é preocupado, porque está convencido de que a piada mortífera anda aí, e vai matar alguém sem que ele possa fazer nada. Mas ao menos não se vai rir quando ele morrer, acha ele, portanto não morre.