terça-feira, dezembro 14, 2010

pré-Gore

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Não sei, não sei, não sei…

Parece que vim parar a um filme. Vejo tudo vermelho à minha frente.

Até o raio do Whisky, parece que estou a beber sangue.

Não tenho sono, e ela dorme. Caiu ali em cima da cama. Descalça, mas ainda com o vestido da festa. Toda bêbada, já não tinha discussão para discutir mais, a cabra.

Ainda por cima, até parece que o vestido branquinho dela faz sentido. Eu já o estou a ver a ganhar cor, atrás da garrafa.

Sinto-me estranho, horrível, mas não consigo pensar noutra coisa… Só olho para ela e para o cutelo que tenho nas mãos…

Tens sempre razão, não é?

Lembras-te da tuas últimas palavras?

Odeio-te Bruno, odeio-te Bruno, odeio-te Bruno!

Vais-me deixar bem mais fácil de odiar...

Sonhar

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Preferia ter tido um pesadelo quando fiz vinte anos. Lembro-me tão bem do que senti naquela noite. De começar a sonhar com ela. A tocar-lhe, a escrever o mais belo romance de sempre, só a pensar nela.

E nunca estive com ela, mas estava sempre comigo. Já me vi, depois disso, a ir de carro com ela para a serra, de construirmos lá o nosso castelo…

Estava com ela todas as noites. Passava os dias a pensar na hora em que ia dormir. Durou dois anos...

Agora já não consigo. Já não a encontro. Parece que a vida decidiu dar-me uma chapada de luva branca. Já escrevi folhas e folhas a pensar nela, mas já nem consigo imaginar aquela cara. Só me lembro, ao longe, daquele vestido azul que ela disse que tinha feito…

Porque é que nem nos sonhos consigo ser feliz? Dói-me o coração, e fica latente aquele aperto constante, que mal me deixa fechar os olhos.

Por sonhar, deixei de dormir. Agora precisava de dormir para sonhar.

Preciso de tanto de ti. Adormece-me Sílvia…

segunda-feira, novembro 29, 2010

Quase soneto, quase nada II

A imaginação é uma prisão

Quando não deixa o sol nascer,

E nunca traz orfeu

Prende-me à cama sem sono


Chicoteia-me com tudo

O que já foi, e o que não foi

Quando? Quando vai ser o que não foi?

Sempre. E nunca durmo


Já encontrei o baco em dias

Quando não quero encontrar ninguém

Lá me diz que ainda estou vivo


Depois de me matar um pouco

Quase pareço melhor, mas

Imagine-se, a prisão volta

Quase soneto, quase nada

Onde estarei eu que nada sei

No aquem terra sem caminho

A fazer algo, concerteza,

Mas sem certeza de nada


Novos negros que se adivinham

Assombram a minha vida

Mirrando a cada momento perdido,

Perco sem nunca hesitar


Ideias que me encarceram,

Aguaceiros que não me lavam,

Ondas que não alcanço


O caminho que não descubro,

O nevoeiro que me ensombra,

A dor sempre que acordo

quinta-feira, novembro 25, 2010

Amo-te, sabias?

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Não. Desta vez não vou mentir. De hoje não passa!

Acabei de sair do médico, e encontro-a ao virar da esquina. Dois dedos de conversa, e dou por mim sentado numa esplanada com ela.

Está a voltar da casa de banho, e eu nem sei o bem o que é que vou dizer. A minha vida dava um filme, mas o realizador é um cabrão...

Começar não custa, até pode ser com uma piada. E depois? Depois é que não sei. A atenção sugadora que que adivinho atrás daqueles olhos intimida-me. E eu preciso de a conseguir. Pelo menos preciso de tentar. Estou há tantos anos à espera, tem que ser hoje! Já não a via desde a páscoa passada, e todos os dias penso nela.

Agora vem com dois copos de vinho num tabuleiro, e vai-se sentar.

Tenho de conseguir levá-la ao mar de emoções no qual navego há tanto tempo... A ver se acontece aquilo com que sonho tantas vezes, uma faísca, um relâmpago, um terramoto, nem sei... Seja o que for que possa fazer deflagrar o amor cuja mera imagem me consome desde que a conheci...

quarta-feira, outubro 27, 2010

Coragem

Estou farto desta merda. Há três anos e tal a lixar-me o juízo com tudo e mais alguma coisa... Mas é agora, chegou "o tempo do adeus", como cantava a outra. Estou aqui parado a olhar para a porta e não consigo entrar. Nervoso, daqui a nada dá-me vontade de mijar... Foda-se, é agora.

"Olá amor, tudo bem?"

Nem penses que te vou beijar, tou farto de ti.

"Tou à rasca para mijar, já venho."

Acho que já não olhava para o meu caralho nesta casa feliz há muito tempo. Mija, mija, e depois foge.

Depois baixa TU a tampa da sanita, desta vez já não te safas...

"Estavas com uma voz estranha ao telefone, passa-se alguma coisa?"

"É pá, sim, temos que falar. Senta-te." 

Eu é que não te apanho do chão de certeza e não, não me vou sentar ao pé desse teu cu gordo.

"O que é?"

"Senta-te." 

Roubo-lhe um cigarro e lá vai disto.

"Susana, nem sei bem como começar, mas eu já não aguento mais..."

"O quê? estás a acabar comigo assim, do nada?"

"Não é do nada, e tu sabes. As coisas já me estão a matar por dentro quase desde o início."

"Não digas isso, eu sou a tua coisinha... Estou sempre à tua espera, faço tudo por ti, e faço tudo para ti..."

A coisinha, a coisinha, mais a puta da coisinha. Foda-se, mas porque é que as gajas se põem a meter "inhas" em toda a puta de nome que aparece?

"É pá, eu se calhar quero mais qualquer coisa..."

Calou-se, será que vou ter sorte? Ui, agora a chorar... Não lhe posso deixar começar com choraminguices e a pedir lenços e o caralho.

"Aliás, nem sequer se trata de querer mais qualquer coisa. Quero dizer, por acaso quero, mas não é só isso. Acima de tudo, aquilo que dizes que fazes por mim e para mim só me fode a cabeça."

"O quê?"

"Tu sabes perfeitamente, não me venhas com merdas. Entre outras coisas, se vou beber café com a Joana, que por  acaso até conheço há mais de 10 anos, passas a vida a ligar-me. Com a Mafalda, apareces no jardim e fazes um ar de surpresa que é ridículo. Tu não és minha dona, foda-se..."

"Tu já não gostas de mim..."

"Ena! Foda-se, pois não... E não é por causa das minhas amigas. Nem por causa das gajas boas da televisão. Nem por causa do decote da mamalhuda do café... És tu! Tu não me deixas fazer nada descansado. Aliás, tu não me deixas fazer nada. Tens que aparecer lá sempre, sempre, sempre, sempre. Não me deixas ter vida nenhuma. E agora choras..."

Foda-se, ela a chorar daqui a nada está a saltar-me para cima... E nunca é a última queca...

"Ó amor... Ó amor, eu mudo, eu faço tudo."

"Foda-se, tu já fazes tudo. Quase que não posso sair de casa com as calças rotas. Queres ver se caguei bem, se o bife me caiu bem?"

"Eu deixo de te ligar tanto, vai sair com os teus amigos. Não era o João que fazia anos hoje?"

"Sim, Eu vou sair com os meus amigos. E tu não. E não me ligues para dar os parabéns ao João, liga para ele."

Gosto tanto de ser teatral, de tirar a caneta prontíssima do bolso da camisa.

"Tens um papel?"

Não fiques parva a olhar para mim, agora começa o deboche...

"Não? então escrevo na tua mão..."

Já nem olhas para mim, ainda bem. Caneta heróica, volta lá para o bolso. Então e agora agarra-se?

"Larga a minha mão, vou-me embora."

"Não vás, não vás. Dá-me cinco minutos, isto não pode ser assim. Eu tenho... Eu não te posso deixar ir assim. Eu tenho que falar, espera..."

"Tens dois minutos."

"Ó amor..."

"E já está a contar..."

Lindo, a chorar mais. Estou a ganhar tempo sem palavras...

"Amor..."

É tão bom ouvir esta música... "Amor................. amor........ amor......... paixão......... amor............. ciúmes............ eu mudo, eu mudo......... amor......"

"Bem, já tiveste os teus dois minutos. Adeuzinho."

"Não tens uma palavra para mim? Uma única palavra?"

"Nem por isso, preciso de apanhar ar."

"Foda-se, uma única palavra. Não és capaz de me dizer nada?"

Hoje está um belo dia de sol. Merece uma saída triunfante. O meu pai falou-me da batalha dele lá em Moçambique contra 300 pretos em que 50 gajos fizeram um milagre. Daqui a uns anos, hei-de ter um filho humorista e tenho que me lembrar desta, já não me lembrava desta há uns tempos.

"Sim, tenho uma palavra para ti."

Maravilha, parou de chorar. Cofio o meu bigode triunfante, e só lhe digo:

"Torresmos"

Acabou-se. Só espero que o elevador ainda cá esteja. Ela começou a chorar outra vez, só tenho p'r'aí 10 segundos...

E pronto. Acabou-se.

Já abri a porta, agora tenho mesmo um admirável mundo novo aqui à frente. 

Pronto, é simples. Previsível. Chora, chora e pronto. E eu fico calminho, tranquilo. Nem sequer fico a pensar na próxima. Foda-se, nem sequer quero pensar em próxima, agora... Se me sai outra chanfrada destas...

Não custa nada. Vai lá. Abre a puta da porta. Ela está à tua espera. E tu até tens uma saída triunfal e tudo. Tu consegues. Tu consegues... Sai da vida dela. Sai dela. Foda-se, abre a porta, vai mijar. Prepara-te para berrar "Torresmos", cospe para o chão se te apetecer e foge. Foge para longe. Foge para ti.

sexta-feira, outubro 15, 2010

O sublime

Nada procuro senão o sublime

O sorriso no meio da desgraça

A força de mover

De mover tudo

Quando a essência simples

Embeleza a vida

Mostra o passo a dar,

Qual salto necessário

E tudo se move

Nada mais quero encontrar,

Nada mais vou receber,

Nada mais posso querer

Preciso de mover mundos

quarta-feira, setembro 08, 2010

Interrogo-me e pronto, interregno

Não sei por onde ir. A porta da esquerda, a da direita, ou ainda haverá aí outra escondida? Não sei. Sento-me, tranquilo, no chão e continuo a interrogar-me. E sim, em interregno. Não vou ter com a Marta, das flores, que sempre prepara uns embrulhos terríveis, mas que nunca são devolvidos porque fico distraído com um sorriso magnânimo. Logo no dia em que ela se lembrou de me combinar para um café, decidi parar para pensar. Para pouco fazer. Para nada fazer.

Para ter calma e pensar no pormenor recôndito relacionado com um medo que vem dos tempos felizes de uma infância distante. Já é normal, o hábito de olhar para trás para ver se estou a ser seguido; aceitável, esfaquear quatro vezes o peixe antes de começar a comer... Mas não fazer nada por querer que tudo saia perfeito? Assim? Assim não faço nada. Tenho sempre medo que do tecto caiam tentáculos do passado que lixem tudo.

Portanto, sem força para agir, sento-me. Onde? No chão. No sítio mais longe do tecto que não tenha ratos. Pelo menos, ando sempre com a fisga e com um livro atrás. Até aos 32 anos, só treinava com a fisga. Se aparecesse algum polvo...

Agora, trago sempre um livro fantástico comigo? Para quê? Para ver se passo o tempo, se aprendo alguma coisa no marasmo. Não há de se passar nada. Espero que não, este não consigo atirar com a fisga.

segunda-feira, setembro 06, 2010

Enquanto

não chega, não sei o que fazer

durar, fico tranquilo,

Mas não pela espera

Fico longe da confusão,

Da discórdia constante...

Mas

não chega, fico a pensar

Em doces, nas cores que já me mostrou

No futuro que já desenhámos...

À espera que o quadro não fique manchado de negro

Outra vez

Como sempre que chega

Mas

não chega, não sei o que fazer,

Enfim

durar, sofro

sexta-feira, setembro 03, 2010

Porquê?

Estou há mais de três décadas a pensar numa profissão. Sim, mesmo contando com os meus primeiros cinco anos de vida, em que infantilmente sonhava em vir a ser condutor de eléctricos aquáticos durante a semana e caçador de gonorreia polar ao fim de semana…


Do alto dos meus provectos trinta e oito anos, após passar o entrudo, pensava que tinha conseguido decidir finalmente. Ia tornar-me um detective profissional. E porquê? Por causa do João, esse gajo estranho, estranho, estranho…


Conheci-o num bar, um jovem convicto e enérgico, capaz de citar na mesma frase tanto o Charles Darwin como o John Locke, ainda por cima no original inglês arcaico em que os postulados haviam surgido… E capaz de convencer uma pequena multidão de lésbicas enraivecidas, que a mulher também é um animal naturalmente mau.


Foram-se embora a olhar de lado uma para as outras, e entabulei uma pequena conversa com o orador que se tinha dirigido ao público presente.


Passados dois dias estávamos em casa dele, numa tertúlia etiliicamente alegre sobre a criação dos Emirados Árabes Unidos. Lembrando-me da noite, lembro-me com algum pesar a pergunta algo frequente acerca do meu trabalho, cujas respostas em forma de águas de bacalhau foram ficando cada vez mais desconfortáveis. Para mim, mas também para os curiosos.


A meio da noite, cheguei a um momento em que tinha urgentemente de encontrar uma sanita. A bexiga apertava, e o estômago estava a ter problemas em manter a doce cidra quieta.


Encontrei a casa de banho e deparei-me com um cenário estranho. A passar pela janela, vi o João a sentar-se, mas sem levar a Bíblia com que defeca sempre, como tinha partilhado em conversa. Até chegar à porta, ouvi a urina a correr, imediatamente seguida do autoclismo. Melhor, pensei eu, e o João saiu logo de seguida.


No entanto, a minha cabeça fervilhava.


"Ele sentou-se só para mijar, e porquê? Porquê? Nem sequer dá jeito… Tenho que perceber o porquê!"


Nesse momento nasceu um detective, pensava eu. Adormeci a pensar no Sherlock Holmes, agarrado ao trono do João. Acordei com ele a querer voltar a utilizá-lo, e não consegui evitar.


"Olha lá, porque é que mijas sentado?"


Esquivou-se, e disse que estava com pressa. Fui ziguezagueando para casa a congeminar qual a melhor maneira de chegar ao tal porquê.


Depois dessa pergunta incómoda, ficámos duas semanas sem nos encontrarmos. Pensei em várias hipóteses. Ponderei a sua homossexualidade, que o faria urinar sentado para se sentir mais feminino, talvez.


Por pressa? É mais lento… Já fiz o teste…


Quando se acorda erecto com vontade de urinar, por muito que seja difícil acertar sempre na sanita, sentado não dá. Não cabe bem, acerta-se no tampo, mija-se aquilo tudo… Acreditem…


Quando o encontrei, estava a sair do cinema, abraçado a uma bela turca. A hipótese da homossexualide desvaneceu-se. Aproveitando o desconhecimento da língua lusa da Aysun, voltei a perguntar ao João acerca do porquê.


Tive que explicar acerca do meu problema em escolher um trabalho, a explicar-lhe o meu porquê. De andar obcecado com o assunto, eu tinha-me tornado, ou tentado tornar, um detective profissional.


Até se riu da minha "maluqueira", conforme ele a chamou, e eu também ri, daquele grandalhão a mijar sentado. Não ficou ofendido, e deu-me duas semanas para investigar. Deu-me acesso à sua casa de banho outra vez, sem ser para dormir, mas sim para trabalhar como detective sorridente.


Duas caixas de sapatos em frente à sanita, afastadas. Ao que parece, tinha-as deixado desarrumadas. Sem sapatos, mas cheias de madeira. Ele até já as tinha tentado prender ao chão e tudo…


Até consegui deixar um gravador escondido na casa de banho, mas não me serviu de nada. Ouvi-lo outra vez não me serviu de nada.


Passaram as duas semanas, e o meu recém adquirido objectivo de me tornar um detective profissional foi destruído, e estou agora pensar em vender atlas turcos.


Consegui um óptimo preço através da Aysun, até ando de olho nela. Pode ser que o meu tal "Porquê" obcessivo venha a ter o seu lucro.


Isto porque o João estava à espera de uma bolsa (consegui, ainda bem) para ir tirar um curso de biologia fabuloso a Estocolmo, para fazer o seu mestrado nos hábitos dos gorilas. Os gorilas, a sua paixão. Senta-se, apoia os pés nas tais caixas de sapatos cheias de madeira, e mija.


Porquê? Porque gostaria de ser um gorila, e nunca vai conseguir. Que raio de "Porquê".

sexta-feira, agosto 13, 2010

Não interessa se o gato é preto ou branco. O que interessa é apanhar o rato. Ouvi isto no outro dia e o raio da ideia não me sai da cabeça. Será que isto se aplica às pessoas? Tenho enlouquecido serenamente a pensar no assunto. Eu cá não apanho o rato, não tenho jeito para caçar. Mas não quero ser um rato. Uma presa? Era só o que faltava. Mas realmente isto parece um jogo. Que não sei ganhar. Não sei jogar… Já arranhei, mas acabei por sair muito mais arranhado. E não quero continuar. Às vezes nem quero sair de casa, não sei quem me vai aparecer pela frente, e nessas alturas enlouqueço dramaticamente. Tudo é negro, estou à espera de armadilhas espalhadas pelo chão e nunca olho para cima.

Agora? Agora já disse. Enlouqueço serenamente. À procura de uma mudança. À espera, a tentar olhar para cima enquanto ando.

quinta-feira, fevereiro 25, 2010

Na minha cama com ela

Porque é que ela aparece?

Como é que ela aparece?

Porque é que agora me lembro quase sempre dela, com o seu seu irritante sorriso?

Estou farta. Durante o dia, mal trabalho. Chego a horas, estou sentado e mantenho um ar concentrado.

E lá fico a matutar... a matutar. Lá mexo nuns papéis como se fossem tesouros como se fossem tesouros, sempre que passa alguém, e ponho-os de lado.

E depois? Depois casa, e ainda costumo apanhar a cantoria estatal na televisão, a mostrar aos miúdos que chegou a hora de ir para a cama

E ele aparece. Já jantado. Eu também, nunca espero pela sua eventual companhia. Pelo menos é querido. Tanto que quase parece com um garoto de cinco anos. E isso obriga-me a perguntar como é que lhe correu o dia, para estar tão bem-disposto (está sempre). E perde sempre cerca de meia hora a falar das aulas, dos putos, dos textos, sei lá. E não dá para evitar. Nem interromper. Lá falar, o gajo sabe.

Eu? Eu nunca falo do meu trabalho, já o avisei. Lá tenho que me repetir de quando em vez, quando se esquece e me pergunta. Mas não pára de falar. Toma a palavra pela rédea e... eu vou desaparecendo.

Passado um bocado, ela aparece. Eu já me fui embora. Subi de balão no meio das suas palavras para outro lado. Para o outro mundo. Onde não me chateio, onde os pássaros chilreiam pousados nas barrigas dos gatos que se estão a espreguiçar. De vez em quando, os gatos acabam o descanso e acordam em forma de tigres. Os canários perdem a elegância e ganham um novo vermelho. E o mundo fica feio, sujo. A luz apaga-se e acordo.

Nessas vezes, acordo nua. Ela vem-me contar o inenarrável antes de se ir embora. Fico a saber onde é que está a minha roupa, e porquê. Fico a saber onde é que não vou tomar o pequeno almoço.

E fico a olhar para a parede, sem saber o que fazer. Nunca sonho. E ainda bem. Porque tenho medo dos meus sonhos. Esse medo faz-me ficar sem dormir. Tantas vezes... O ponteiro dos segundos faz-me companhia quando finalmente fecho os olhos para tentar descansar um pouco. E não se despacha.

Finalmente, as notícias matutinas na rádio. Talvez apenas a notícia matinal, tenho que tomar banho e não posso ir nua para o trabalho. Nunca mais chega a notícia de que vou dormir sozinha, ela não a traz.

E continuo.

A amontoar papéis e a receber elogios.

A ser visitada por ela, não me deixa em paz, não consegue desaparecer.

Eu? Eu consigo. Consigo sobreviver, e ainda consigo aparecer.

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Congresso

Não acredito. Estou atrasado. Já só falta meia hora para o Congresso dos Corcundas Incontinentes.

Logo eu. Que fiz tudo para que surgisse o lobby dos corcundas incontinentes, o principal responsável pela referência no último volume da Enciclopédia Larousse. O criador da famosa fralda multi-funções, só para nós. Alguém imaginava, há cinco anos, que podia ter uma fralda capaz de reter os líquidos indesejados, de endireitar as costas, e ainda capaz de queimar um perfil do papa num leite-creme prestes a ser servido?

Tudo isso por minha causa... E falta cada vez menos tempo...

Nem sei como é que vou ficar visto na academia se faltar... Estou cada vez mais nervoso e acendo um cigarro. Enquanto freneticamente dou voltas à praça, começo a ficar com medo da minha bexiga. Ainda por cima hoje estou sem fraldas. Logo depois, sinto as minhas cuecas a ficarem um pouco húmidas. Deixo o cigarro ainda aceso junto ao ninho dos pombos, e fico apenas uns segundos a vê-los a apreciar o fumo... Eu detesto pombos, e quero que morram todos. E acredito na teoria do excelso professor Stevens, que defende que quando estão viciados em tabaco são mais fáceis de matar.

Evito perder-me nos meus pensamentos deliciosos sobre a morte dos pombos, e vou à casa-de-banho. Ao sair, vejo mais uma pessoa na praça. Ainda por cima, de uma minoria irritante que parece que está na moda... Anões com Síndrome de Tourette... Mas alguém acredita nessa merda?

Eles estão sempre a praguejar porque nunca conseguem comprar calças da Levi's e porque um anão com umas botas Doc Martens fica realmente ridículo. Ainda fui falar com ele, para lhe explicar o porquê da minha pressa, mas ele reconheceu-me do incidente da semana passada no autocarro, quando não só não ajudei a sua namorada anã a sentar-se (ela não chegava lá, é mesmo, mesmo, mesmo anã, e só repetia «Punheta, punheta, punheta!»), como ainda lhe roubei o lugar (estava cansado, tinha estado a jogar xadrez...).

Lá aparece um táxi, e o anão embarca nele. Ainda peço ao condutor para voltar à praça assim que possa. Obediente, demora um quarto de hora a voltar, e apanha-me, muito ansioso.

A caminho do Palácio de Cristal, começo a ficar mais relaxado com a imensidão de sinais verdes que o Josué atravessa. Porreiro, o taxista, mas com péssimo gosto musical. Já deve ser difícil para os outros, mas ouvir a Celine Dion a guinchar na rádio desconcentra-me mesmo muito. Só me vem à cabeça o raio do Titanic a desfazer-se no meio de tanta, tanta, tanta água.

Uff, a música acabou. É pá, não acredito... «Sou como um rio», dos Delfins... Estou a contorcer-me no banco de trás, quando oiço Josué:

«Está tudo bem?»

O meu «Acho que não, devia parar» é ignorado e as minhas calças de linho brancas começam a ficar amareladas.

«Foda-se, limpei a puta do carro hoje! Vou já voltar para a bomba, caguei para a tua pressa!»

E agora? Realmente, era estranho entrar no congresso com as calças amarelas, e de certeza que o Josué me quer obrigar a limpar o carro...

Estou mesmo a ver o fim desta história... Vou ser demitido da Academia...

Bem, eu já tinha dito... Congressos à terça-feira não dá para mim!

quinta-feira, janeiro 21, 2010

planta, crer, induzir, telemóvel, flor, praia

Estranha planta que eu vi. Quase não conseguia crer. Pensei que podia ser Baco a induzir-me numa visão fantástica da vida. Mas não. Estava mesmo lá. Já tenho o número de telemóvel e tudo.
Como é possível? Uma bela flor à beira-mar plantada, numa singela praia onde tudo pode acontecer.