quarta-feira, setembro 08, 2010

Interrogo-me e pronto, interregno

Não sei por onde ir. A porta da esquerda, a da direita, ou ainda haverá aí outra escondida? Não sei. Sento-me, tranquilo, no chão e continuo a interrogar-me. E sim, em interregno. Não vou ter com a Marta, das flores, que sempre prepara uns embrulhos terríveis, mas que nunca são devolvidos porque fico distraído com um sorriso magnânimo. Logo no dia em que ela se lembrou de me combinar para um café, decidi parar para pensar. Para pouco fazer. Para nada fazer.

Para ter calma e pensar no pormenor recôndito relacionado com um medo que vem dos tempos felizes de uma infância distante. Já é normal, o hábito de olhar para trás para ver se estou a ser seguido; aceitável, esfaquear quatro vezes o peixe antes de começar a comer... Mas não fazer nada por querer que tudo saia perfeito? Assim? Assim não faço nada. Tenho sempre medo que do tecto caiam tentáculos do passado que lixem tudo.

Portanto, sem força para agir, sento-me. Onde? No chão. No sítio mais longe do tecto que não tenha ratos. Pelo menos, ando sempre com a fisga e com um livro atrás. Até aos 32 anos, só treinava com a fisga. Se aparecesse algum polvo...

Agora, trago sempre um livro fantástico comigo? Para quê? Para ver se passo o tempo, se aprendo alguma coisa no marasmo. Não há de se passar nada. Espero que não, este não consigo atirar com a fisga.

segunda-feira, setembro 06, 2010

Enquanto

não chega, não sei o que fazer

durar, fico tranquilo,

Mas não pela espera

Fico longe da confusão,

Da discórdia constante...

Mas

não chega, fico a pensar

Em doces, nas cores que já me mostrou

No futuro que já desenhámos...

À espera que o quadro não fique manchado de negro

Outra vez

Como sempre que chega

Mas

não chega, não sei o que fazer,

Enfim

durar, sofro

sexta-feira, setembro 03, 2010

Porquê?

Estou há mais de três décadas a pensar numa profissão. Sim, mesmo contando com os meus primeiros cinco anos de vida, em que infantilmente sonhava em vir a ser condutor de eléctricos aquáticos durante a semana e caçador de gonorreia polar ao fim de semana…


Do alto dos meus provectos trinta e oito anos, após passar o entrudo, pensava que tinha conseguido decidir finalmente. Ia tornar-me um detective profissional. E porquê? Por causa do João, esse gajo estranho, estranho, estranho…


Conheci-o num bar, um jovem convicto e enérgico, capaz de citar na mesma frase tanto o Charles Darwin como o John Locke, ainda por cima no original inglês arcaico em que os postulados haviam surgido… E capaz de convencer uma pequena multidão de lésbicas enraivecidas, que a mulher também é um animal naturalmente mau.


Foram-se embora a olhar de lado uma para as outras, e entabulei uma pequena conversa com o orador que se tinha dirigido ao público presente.


Passados dois dias estávamos em casa dele, numa tertúlia etiliicamente alegre sobre a criação dos Emirados Árabes Unidos. Lembrando-me da noite, lembro-me com algum pesar a pergunta algo frequente acerca do meu trabalho, cujas respostas em forma de águas de bacalhau foram ficando cada vez mais desconfortáveis. Para mim, mas também para os curiosos.


A meio da noite, cheguei a um momento em que tinha urgentemente de encontrar uma sanita. A bexiga apertava, e o estômago estava a ter problemas em manter a doce cidra quieta.


Encontrei a casa de banho e deparei-me com um cenário estranho. A passar pela janela, vi o João a sentar-se, mas sem levar a Bíblia com que defeca sempre, como tinha partilhado em conversa. Até chegar à porta, ouvi a urina a correr, imediatamente seguida do autoclismo. Melhor, pensei eu, e o João saiu logo de seguida.


No entanto, a minha cabeça fervilhava.


"Ele sentou-se só para mijar, e porquê? Porquê? Nem sequer dá jeito… Tenho que perceber o porquê!"


Nesse momento nasceu um detective, pensava eu. Adormeci a pensar no Sherlock Holmes, agarrado ao trono do João. Acordei com ele a querer voltar a utilizá-lo, e não consegui evitar.


"Olha lá, porque é que mijas sentado?"


Esquivou-se, e disse que estava com pressa. Fui ziguezagueando para casa a congeminar qual a melhor maneira de chegar ao tal porquê.


Depois dessa pergunta incómoda, ficámos duas semanas sem nos encontrarmos. Pensei em várias hipóteses. Ponderei a sua homossexualidade, que o faria urinar sentado para se sentir mais feminino, talvez.


Por pressa? É mais lento… Já fiz o teste…


Quando se acorda erecto com vontade de urinar, por muito que seja difícil acertar sempre na sanita, sentado não dá. Não cabe bem, acerta-se no tampo, mija-se aquilo tudo… Acreditem…


Quando o encontrei, estava a sair do cinema, abraçado a uma bela turca. A hipótese da homossexualide desvaneceu-se. Aproveitando o desconhecimento da língua lusa da Aysun, voltei a perguntar ao João acerca do porquê.


Tive que explicar acerca do meu problema em escolher um trabalho, a explicar-lhe o meu porquê. De andar obcecado com o assunto, eu tinha-me tornado, ou tentado tornar, um detective profissional.


Até se riu da minha "maluqueira", conforme ele a chamou, e eu também ri, daquele grandalhão a mijar sentado. Não ficou ofendido, e deu-me duas semanas para investigar. Deu-me acesso à sua casa de banho outra vez, sem ser para dormir, mas sim para trabalhar como detective sorridente.


Duas caixas de sapatos em frente à sanita, afastadas. Ao que parece, tinha-as deixado desarrumadas. Sem sapatos, mas cheias de madeira. Ele até já as tinha tentado prender ao chão e tudo…


Até consegui deixar um gravador escondido na casa de banho, mas não me serviu de nada. Ouvi-lo outra vez não me serviu de nada.


Passaram as duas semanas, e o meu recém adquirido objectivo de me tornar um detective profissional foi destruído, e estou agora pensar em vender atlas turcos.


Consegui um óptimo preço através da Aysun, até ando de olho nela. Pode ser que o meu tal "Porquê" obcessivo venha a ter o seu lucro.


Isto porque o João estava à espera de uma bolsa (consegui, ainda bem) para ir tirar um curso de biologia fabuloso a Estocolmo, para fazer o seu mestrado nos hábitos dos gorilas. Os gorilas, a sua paixão. Senta-se, apoia os pés nas tais caixas de sapatos cheias de madeira, e mija.


Porquê? Porque gostaria de ser um gorila, e nunca vai conseguir. Que raio de "Porquê".