quarta-feira, julho 28, 2021

Sim, tu

Às vezes, estou farto de ti


Das tuas prepotências


Da paciência só umbigal


Quezilenta no expoente máximo



Agonizam-me esses olhos frios


Negros, desumanos


Só aquecem de vermelho




Estou farto, tão farto, fartíssimo


Da tua burrice de quem nunca erra


Desse martelo de juiz sempre empunhado




Infame quando ela não quer, mas  tu é que sabes


Irritante se és uma adulta birrenta


Indigno dar-te asco uma cor ou idioma




Não suporto constante falta de educação


Ver-te cuspir para o chão


Deixar cair lixo na rua




Mas não é sempre


Às vezes, estou só farto de mim

segunda-feira, novembro 02, 2020

Quase Soneto shakespeariano - o Tédio

Quando já não sabes como sorrir


Quando não tens com quem falar


Quase nada faz sentido senão a ida à latrina


Que só te lembra que és um animal




Quase tudo parece que perdeu o sentido


Quando o belo e a amizade estão trancados


Que não podem ficar doentes, ora essa


Quiçá morram, mas com culpa de outrem




Que dêem ordens os sábios, os salvadores


Que ninguém sabe por onde andam, se os há


Quando a matemática só soma casos e mortes


Que não me veja a mim, estou escondido




Quiçá vá encontrar fuga ao tédio melhor do 


Que feia letra entre o pê e o erre para começar

quarta-feira, fevereiro 14, 2018

sexta-feira, julho 21, 2017

É verdade
No princípio era o verbo
Para o fim fica o adeus

quinta-feira, março 10, 2016

Não alimentes um pássaro morto, ele nunca vai voar. 

(esta frase até parece um antigo provérbio a sair da boca de um chinês velhinho, pequenino e mirradinho, portanto sabes que é boa)

quinta-feira, dezembro 17, 2015

Há dias em que o mundo é cinzento

Outros em que me sinto daltónico


Há dias em que gosto de tudo, até de mim


Dias em que procuro algo são todos


Há dias inúteis, tantos


Há dias com a mania que são mais do que os outros


Há dias em que nem um chá consigo beber


Alguns em que me sinto capaz de criar o mundo


Há tantos para mandar embora da minha vida para sempre


Dias constipados, vomitados, irritantes


Sublimes também, mas são raros


Ele há dias    

sexta-feira, dezembro 11, 2015

Esplanada

Trinta e quatro cadeiras vazias
Mais uma ocupada 
Outro estranho com cara familiar
Tantos 
Elas vagam e recebem novos cus
Menos as minhas
Nenhuma donzela em apuros por um assento 
Os da bola nem perto, já sabem
As velhinhas já não me guiam para o céu 
E tu não chegas
Nunca chegas 
Escrevo e risco e escrevo e bebo e risco mais
E escrevo
A minha cadeira ficou fria

sexta-feira, julho 20, 2012

por vezes, a política inspira


Privado do prazer da condução, lá fui triste para a paragem do 28. Chegou rapidamente, coisa de que não estava à espera, e, ainda que estivesse quase cheio, lá estava um lugar à minha espera. Começou, assim que me sentei, uma viagem complicada. À minha frente, estava uma mulher especial... Asiática, muito esguia, com fantásticos e inesperados olhos azuis (dirão que eram lentes de contacto, mas estive a olhar com muita, muita atenção para eles, e apostaria na sua autenticidade), uma farta cabeleira encaracolada que só me fez pensar na minha própria juba, quando o cabelo me chegava ao rabo, e um voluptuoso par de mamas digno de uma escandinava de 2 metros, prenha.

Os meus olhos passaram pela sua figura pela ordem da descrição, e, no fim, fiquei preso naquelas montanhas tão belas, tristemente tão tapadas, tão apetecíveis... Onde sonhava encostar a minha cara nem que fosse por um segundo para encontrar alguma paz nesta viagem infernal... Em nada mais pensava. Ouvia o autocarro a acelerar e a travar, a abrir as portas, e eu só entrava para dentro daquele decote. Talvez simplesmente porque nunca estive com uma mulher com silicone, e "aquilo" não podia ser natural.

De repente, oiço um guincho infantil:

– O que é aquilo?

Não sei porquê, mas fez-me tirar os olhos das desejadas, e olhei para uma miudinha dos seus cinco anos a apontar para mim. Ia começar a sentir-me ofendido, eu não sou um "aquilo", sou uma pessoa, foda-se, detesto andar de autocarro, mas percebi que ela estava a apontar para o meu mastro, que, a saudar tão apetecível companhia, decidira assumir uma postura um pouco mais agressiva, como a dos pássaros a engatar as pássaras – isto de usar calções no verão... –, foda-se, um saco em cima da pila, a mãe da miudinha a dizer-lhe para olhar para o outro lado enquanto continua a olhar para mim com nojo – pois, pois, gostas pouco, gostas – e a mamalhuda à minha frente só a ler mensagens, sem ligar à homenagem que eu lhe fiz no meio da puta do autocarro...

Saiu antes de mim, e estava petrificado, não consegui ir atrás dela, a visão do rabo dela deixou-me esmagado na cadeira. Foda-se, nunca tenho coragem, nem timing... E estamos em crise, bem que precisava que alguém me desse uma equivalência num bacharelato ou merda semelhante em relações internacionais.

sexta-feira, março 30, 2012

Às vezes, torresmos.

Maquinalmente, movo-me, e consigo por os pontos nos is, mas nem uma vírgula acerta no poiso adequado. Ruidosas montanhas rodeiam o árido deserto em que pela água anseio, mas tudo seca, decrépito. O belo criado na véspera para parte incerta se escapou; até as notas se enganam nos meus ouvidos, e o mais prodigioso intérprete tortura os meus tímpanos a cada acorde.

Nada faz sentido, tudo me oprime.
O nada faz sentido, tudo me oprime.

quarta-feira, novembro 02, 2011

Contigo

Vem sempre um sorriso
E outro nasce
Mesclam-se, vivos
Esquecem o ontem
E amanhã não existe
Destrói-se o tempo
Tudo desaparece
O selar de lábios
Ignora tempestades
Rejeita doenças
Esquece as dores
No beijo sublime
Que sempre almejei

segunda-feira, outubro 03, 2011

Ode ao absurdo

Eu gosto do absurdo.

Não de tudo aquilo a que se costuma chamar absurdo.

Não gosto de desconfortos que tenha por razões imponderáveis que possam ser caracterizadas popularmente como absurdas.

Falo sim daquelas bem ponderadas fugas à realidade que são necessárias e que tentam, no entanto, ser colmatadas pela sociedade.

Infelizmente, vivemos albergados por uma razão quase informática que parece ter surgido para ficar com a revolução industrial.

Há que tentar tirar a realidade do seu eixo.

Chocalhá-la um pouco constantemente, às vezes muito.

Olhar para as coisas belas, milimetricamente estudadas, e fazer algo, o absurdo precisa.

Porque é que uma escultura de que todos gostam perde o seu valor quando deitada ao lado de um caixote do lixo?

Deixa de ser arte?

Ou ganha qualquer coisa?

Chegará a menos pessoas, mas talvez com mais força aos que a vêem.

Porque não pegar no feio?

Porque o feio absoluto não existe.

É uma não-pergunta.

Tudo pode ser deliciosamente absurdo, basta tirá-lo do seu poiso.

Que se fuja às acepções originais da natureza ou das criações humanas.

As funções preconcebidas deixam de interessar.

Tudo nos agrada, repugna ou nos é indiferente.

Porque não melhorar absurdamente as hediondas e anódinas parcelas?

Ainda não inventaram, nem será possível, mas tentam, tentaram e continuarão a tentar criar algo que pense.

Por nós?

Porquê e para quê?

Pensar é o que nos humaniza, não devíamos tentar criar um substituto para cansar menos a cabeça, ela não precisa de descanso.

Viver não é fácil, implica pensar, enganam-se os que procuram o que facilite essa capacidade.

Mas não se pode simplesmente olhar para o que já foi feito, claro que não.

É necessário ser absurdo, rasgar ou desprezar as manchas do passado de quando em quando, e baralhar o presente, criar o futuro.

Tudo pode ser usado como uma peça que engrandeça o absurdo, que faça aquilo de que a realidade precisa, tornar-se irreal, diferente.

Tirar o absurdo à realidade é matá-la, é rejeitar a vida.

quinta-feira, setembro 01, 2011

A fossa é a musa omnipresente

quarta-feira, agosto 31, 2011

O Caos

O caos faz falta
A falta causa dor
A dor constrói o carácter
O carácter destrói-se com o tempo
O tempo falta a todos
Todos querem o que não há
Há solidão na multidão
A multidão nada encontra
Encontra os mistérios no sonho
O sonho faz querer mais
Mais é sempre uma hipótese
A hipótese é o que está por existir
Existir neste mundo custa
O que custa faz vender a alma
A alma é uma ilusão
A ilusão motiva o homem
O homem perde-se a escrever
Escrever faz querer encontrar o amor
O amor é uma sorte
A sorte ajuda os audazes
Os audazes não pensam em tudo
Tudo é um desafio
Desafio é viver com sentido
O sentido é um segredo
O segredo gera confiança
A confiança leva à desilusão
A desilusão dá conhecimento
O conhecimento nunca acaba
Acaba aqui

domingo, agosto 21, 2011

Diria mesmo que a imaginação permite fugir da nossa realidade, dotada ela de uma consistência que só sublinha as suas negritudes.
Muitas vezes, é preciso escrever para viver. Benditas penas, folhas majestosas e pensamentos desgovernados dançam, e a humanidade cresce.

quarta-feira, julho 27, 2011

a complicação de nascer sem mamas:

Nascemos, metem-nos logo tetas na boca, bem maiores do que as nossas mãos...

Depois, ficamos uns anos a "desmamar", com tudo a correr bem enquanto não vos crescem mamas.

Na adolescência, no entanto, o assunto tetal perturba ambos os sexos:

Nós começamos a deixar de ser quadrados. Afastamos-nos dos livros, e começamos a prestar atenção às belas curvas que vão surgindo à frente dos nossos olhos.

Vocês vêm os vossos corpos a mudar, e começam, nessa altura, a criar o ódio feroz entre mulheres quando ainda são meninas. Simplesmente porque sim. Porque "aquela puta tem umas mamas maiores", "Porque a cabra deixou o joão mexer-lhe nas mamas e ele cagou para mim", "Porque a mãe daquela deve trabalhar à noite para lhe poder comprar aqueles tops e aqueles soutiens que lhe dão mais dez anos"... (nessa altura, é bom parecer mais velho)

Quando se ultrapassa a puberdade, já muito se sabe acerca do mundo, e o nosso instinto natural é muito simples:

Temos de encontrar MAMAS! Não, na realidade, não é assim tão simples como isso. Somos animais, surge, dentro de todos, mesmo dentro daqueles que não querem ter filhos, o instinto de encontrar umas belas mamas para os descendentes! Precisamos de encontrar tetas perfeitas, que jorrem com alegria o elixir do crescimento de que os bebés precisam.

Imagino que, mais tarde, quando chegar a velho, me vá sentir cada vez mais infantil, mais parecido com uma criança... Vou ficando, de certeza, cada vez mais e mais necessitado de MAMAS.
Menos exigente, no entanto...

terça-feira, dezembro 14, 2010

pré-Gore

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Não sei, não sei, não sei…

Parece que vim parar a um filme. Vejo tudo vermelho à minha frente.

Até o raio do Whisky, parece que estou a beber sangue.

Não tenho sono, e ela dorme. Caiu ali em cima da cama. Descalça, mas ainda com o vestido da festa. Toda bêbada, já não tinha discussão para discutir mais, a cabra.

Ainda por cima, até parece que o vestido branquinho dela faz sentido. Eu já o estou a ver a ganhar cor, atrás da garrafa.

Sinto-me estranho, horrível, mas não consigo pensar noutra coisa… Só olho para ela e para o cutelo que tenho nas mãos…

Tens sempre razão, não é?

Lembras-te da tuas últimas palavras?

Odeio-te Bruno, odeio-te Bruno, odeio-te Bruno!

Vais-me deixar bem mais fácil de odiar...

Sonhar

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Preferia ter tido um pesadelo quando fiz vinte anos. Lembro-me tão bem do que senti naquela noite. De começar a sonhar com ela. A tocar-lhe, a escrever o mais belo romance de sempre, só a pensar nela.

E nunca estive com ela, mas estava sempre comigo. Já me vi, depois disso, a ir de carro com ela para a serra, de construirmos lá o nosso castelo…

Estava com ela todas as noites. Passava os dias a pensar na hora em que ia dormir. Durou dois anos...

Agora já não consigo. Já não a encontro. Parece que a vida decidiu dar-me uma chapada de luva branca. Já escrevi folhas e folhas a pensar nela, mas já nem consigo imaginar aquela cara. Só me lembro, ao longe, daquele vestido azul que ela disse que tinha feito…

Porque é que nem nos sonhos consigo ser feliz? Dói-me o coração, e fica latente aquele aperto constante, que mal me deixa fechar os olhos.

Por sonhar, deixei de dormir. Agora precisava de dormir para sonhar.

Preciso de tanto de ti. Adormece-me Sílvia…

segunda-feira, novembro 29, 2010

Quase soneto, quase nada II

A imaginação é uma prisão

Quando não deixa o sol nascer,

E nunca traz orfeu

Prende-me à cama sem sono


Chicoteia-me com tudo

O que já foi, e o que não foi

Quando? Quando vai ser o que não foi?

Sempre. E nunca durmo


Já encontrei o baco em dias

Quando não quero encontrar ninguém

Lá me diz que ainda estou vivo


Depois de me matar um pouco

Quase pareço melhor, mas

Imagine-se, a prisão volta

Quase soneto, quase nada

Onde estarei eu que nada sei

No aquem terra sem caminho

A fazer algo, concerteza,

Mas sem certeza de nada


Novos negros que se adivinham

Assombram a minha vida

Mirrando a cada momento perdido,

Perco sem nunca hesitar


Ideias que me encarceram,

Aguaceiros que não me lavam,

Ondas que não alcanço


O caminho que não descubro,

O nevoeiro que me ensombra,

A dor sempre que acordo

quinta-feira, novembro 25, 2010

Amo-te, sabias?

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Não. Desta vez não vou mentir. De hoje não passa!

Acabei de sair do médico, e encontro-a ao virar da esquina. Dois dedos de conversa, e dou por mim sentado numa esplanada com ela.

Está a voltar da casa de banho, e eu nem sei o bem o que é que vou dizer. A minha vida dava um filme, mas o realizador é um cabrão...

Começar não custa, até pode ser com uma piada. E depois? Depois é que não sei. A atenção sugadora que que adivinho atrás daqueles olhos intimida-me. E eu preciso de a conseguir. Pelo menos preciso de tentar. Estou há tantos anos à espera, tem que ser hoje! Já não a via desde a páscoa passada, e todos os dias penso nela.

Agora vem com dois copos de vinho num tabuleiro, e vai-se sentar.

Tenho de conseguir levá-la ao mar de emoções no qual navego há tanto tempo... A ver se acontece aquilo com que sonho tantas vezes, uma faísca, um relâmpago, um terramoto, nem sei... Seja o que for que possa fazer deflagrar o amor cuja mera imagem me consome desde que a conheci...

quarta-feira, outubro 27, 2010

Coragem

Estou farto desta merda. Há três anos e tal a lixar-me o juízo com tudo e mais alguma coisa... Mas é agora, chegou "o tempo do adeus", como cantava a outra. Estou aqui parado a olhar para a porta e não consigo entrar. Nervoso, daqui a nada dá-me vontade de mijar... Foda-se, é agora.

"Olá amor, tudo bem?"

Nem penses que te vou beijar, tou farto de ti.

"Tou à rasca para mijar, já venho."

Acho que já não olhava para o meu caralho nesta casa feliz há muito tempo. Mija, mija, e depois foge.

Depois baixa TU a tampa da sanita, desta vez já não te safas...

"Estavas com uma voz estranha ao telefone, passa-se alguma coisa?"

"É pá, sim, temos que falar. Senta-te." 

Eu é que não te apanho do chão de certeza e não, não me vou sentar ao pé desse teu cu gordo.

"O que é?"

"Senta-te." 

Roubo-lhe um cigarro e lá vai disto.

"Susana, nem sei bem como começar, mas eu já não aguento mais..."

"O quê? estás a acabar comigo assim, do nada?"

"Não é do nada, e tu sabes. As coisas já me estão a matar por dentro quase desde o início."

"Não digas isso, eu sou a tua coisinha... Estou sempre à tua espera, faço tudo por ti, e faço tudo para ti..."

A coisinha, a coisinha, mais a puta da coisinha. Foda-se, mas porque é que as gajas se põem a meter "inhas" em toda a puta de nome que aparece?

"É pá, eu se calhar quero mais qualquer coisa..."

Calou-se, será que vou ter sorte? Ui, agora a chorar... Não lhe posso deixar começar com choraminguices e a pedir lenços e o caralho.

"Aliás, nem sequer se trata de querer mais qualquer coisa. Quero dizer, por acaso quero, mas não é só isso. Acima de tudo, aquilo que dizes que fazes por mim e para mim só me fode a cabeça."

"O quê?"

"Tu sabes perfeitamente, não me venhas com merdas. Entre outras coisas, se vou beber café com a Joana, que por  acaso até conheço há mais de 10 anos, passas a vida a ligar-me. Com a Mafalda, apareces no jardim e fazes um ar de surpresa que é ridículo. Tu não és minha dona, foda-se..."

"Tu já não gostas de mim..."

"Ena! Foda-se, pois não... E não é por causa das minhas amigas. Nem por causa das gajas boas da televisão. Nem por causa do decote da mamalhuda do café... És tu! Tu não me deixas fazer nada descansado. Aliás, tu não me deixas fazer nada. Tens que aparecer lá sempre, sempre, sempre, sempre. Não me deixas ter vida nenhuma. E agora choras..."

Foda-se, ela a chorar daqui a nada está a saltar-me para cima... E nunca é a última queca...

"Ó amor... Ó amor, eu mudo, eu faço tudo."

"Foda-se, tu já fazes tudo. Quase que não posso sair de casa com as calças rotas. Queres ver se caguei bem, se o bife me caiu bem?"

"Eu deixo de te ligar tanto, vai sair com os teus amigos. Não era o João que fazia anos hoje?"

"Sim, Eu vou sair com os meus amigos. E tu não. E não me ligues para dar os parabéns ao João, liga para ele."

Gosto tanto de ser teatral, de tirar a caneta prontíssima do bolso da camisa.

"Tens um papel?"

Não fiques parva a olhar para mim, agora começa o deboche...

"Não? então escrevo na tua mão..."

Já nem olhas para mim, ainda bem. Caneta heróica, volta lá para o bolso. Então e agora agarra-se?

"Larga a minha mão, vou-me embora."

"Não vás, não vás. Dá-me cinco minutos, isto não pode ser assim. Eu tenho... Eu não te posso deixar ir assim. Eu tenho que falar, espera..."

"Tens dois minutos."

"Ó amor..."

"E já está a contar..."

Lindo, a chorar mais. Estou a ganhar tempo sem palavras...

"Amor..."

É tão bom ouvir esta música... "Amor................. amor........ amor......... paixão......... amor............. ciúmes............ eu mudo, eu mudo......... amor......"

"Bem, já tiveste os teus dois minutos. Adeuzinho."

"Não tens uma palavra para mim? Uma única palavra?"

"Nem por isso, preciso de apanhar ar."

"Foda-se, uma única palavra. Não és capaz de me dizer nada?"

Hoje está um belo dia de sol. Merece uma saída triunfante. O meu pai falou-me da batalha dele lá em Moçambique contra 300 pretos em que 50 gajos fizeram um milagre. Daqui a uns anos, hei-de ter um filho humorista e tenho que me lembrar desta, já não me lembrava desta há uns tempos.

"Sim, tenho uma palavra para ti."

Maravilha, parou de chorar. Cofio o meu bigode triunfante, e só lhe digo:

"Torresmos"

Acabou-se. Só espero que o elevador ainda cá esteja. Ela começou a chorar outra vez, só tenho p'r'aí 10 segundos...

E pronto. Acabou-se.

Já abri a porta, agora tenho mesmo um admirável mundo novo aqui à frente. 

Pronto, é simples. Previsível. Chora, chora e pronto. E eu fico calminho, tranquilo. Nem sequer fico a pensar na próxima. Foda-se, nem sequer quero pensar em próxima, agora... Se me sai outra chanfrada destas...

Não custa nada. Vai lá. Abre a puta da porta. Ela está à tua espera. E tu até tens uma saída triunfal e tudo. Tu consegues. Tu consegues... Sai da vida dela. Sai dela. Foda-se, abre a porta, vai mijar. Prepara-te para berrar "Torresmos", cospe para o chão se te apetecer e foge. Foge para longe. Foge para ti.

sexta-feira, outubro 15, 2010

O sublime

Nada procuro senão o sublime

O sorriso no meio da desgraça

A força de mover

De mover tudo

Quando a essência simples

Embeleza a vida

Mostra o passo a dar,

Qual salto necessário

E tudo se move

Nada mais quero encontrar,

Nada mais vou receber,

Nada mais posso querer

Preciso de mover mundos

quarta-feira, setembro 08, 2010

Interrogo-me e pronto, interregno

Não sei por onde ir. A porta da esquerda, a da direita, ou ainda haverá aí outra escondida? Não sei. Sento-me, tranquilo, no chão e continuo a interrogar-me. E sim, em interregno. Não vou ter com a Marta, das flores, que sempre prepara uns embrulhos terríveis, mas que nunca são devolvidos porque fico distraído com um sorriso magnânimo. Logo no dia em que ela se lembrou de me combinar para um café, decidi parar para pensar. Para pouco fazer. Para nada fazer.

Para ter calma e pensar no pormenor recôndito relacionado com um medo que vem dos tempos felizes de uma infância distante. Já é normal, o hábito de olhar para trás para ver se estou a ser seguido; aceitável, esfaquear quatro vezes o peixe antes de começar a comer... Mas não fazer nada por querer que tudo saia perfeito? Assim? Assim não faço nada. Tenho sempre medo que do tecto caiam tentáculos do passado que lixem tudo.

Portanto, sem força para agir, sento-me. Onde? No chão. No sítio mais longe do tecto que não tenha ratos. Pelo menos, ando sempre com a fisga e com um livro atrás. Até aos 32 anos, só treinava com a fisga. Se aparecesse algum polvo...

Agora, trago sempre um livro fantástico comigo? Para quê? Para ver se passo o tempo, se aprendo alguma coisa no marasmo. Não há de se passar nada. Espero que não, este não consigo atirar com a fisga.

segunda-feira, setembro 06, 2010

Enquanto

não chega, não sei o que fazer

durar, fico tranquilo,

Mas não pela espera

Fico longe da confusão,

Da discórdia constante...

Mas

não chega, fico a pensar

Em doces, nas cores que já me mostrou

No futuro que já desenhámos...

À espera que o quadro não fique manchado de negro

Outra vez

Como sempre que chega

Mas

não chega, não sei o que fazer,

Enfim

durar, sofro

sexta-feira, setembro 03, 2010

Porquê?

Estou há mais de três décadas a pensar numa profissão. Sim, mesmo contando com os meus primeiros cinco anos de vida, em que infantilmente sonhava em vir a ser condutor de eléctricos aquáticos durante a semana e caçador de gonorreia polar ao fim de semana…


Do alto dos meus provectos trinta e oito anos, após passar o entrudo, pensava que tinha conseguido decidir finalmente. Ia tornar-me um detective profissional. E porquê? Por causa do João, esse gajo estranho, estranho, estranho…


Conheci-o num bar, um jovem convicto e enérgico, capaz de citar na mesma frase tanto o Charles Darwin como o John Locke, ainda por cima no original inglês arcaico em que os postulados haviam surgido… E capaz de convencer uma pequena multidão de lésbicas enraivecidas, que a mulher também é um animal naturalmente mau.


Foram-se embora a olhar de lado uma para as outras, e entabulei uma pequena conversa com o orador que se tinha dirigido ao público presente.


Passados dois dias estávamos em casa dele, numa tertúlia etiliicamente alegre sobre a criação dos Emirados Árabes Unidos. Lembrando-me da noite, lembro-me com algum pesar a pergunta algo frequente acerca do meu trabalho, cujas respostas em forma de águas de bacalhau foram ficando cada vez mais desconfortáveis. Para mim, mas também para os curiosos.


A meio da noite, cheguei a um momento em que tinha urgentemente de encontrar uma sanita. A bexiga apertava, e o estômago estava a ter problemas em manter a doce cidra quieta.


Encontrei a casa de banho e deparei-me com um cenário estranho. A passar pela janela, vi o João a sentar-se, mas sem levar a Bíblia com que defeca sempre, como tinha partilhado em conversa. Até chegar à porta, ouvi a urina a correr, imediatamente seguida do autoclismo. Melhor, pensei eu, e o João saiu logo de seguida.


No entanto, a minha cabeça fervilhava.


"Ele sentou-se só para mijar, e porquê? Porquê? Nem sequer dá jeito… Tenho que perceber o porquê!"


Nesse momento nasceu um detective, pensava eu. Adormeci a pensar no Sherlock Holmes, agarrado ao trono do João. Acordei com ele a querer voltar a utilizá-lo, e não consegui evitar.


"Olha lá, porque é que mijas sentado?"


Esquivou-se, e disse que estava com pressa. Fui ziguezagueando para casa a congeminar qual a melhor maneira de chegar ao tal porquê.


Depois dessa pergunta incómoda, ficámos duas semanas sem nos encontrarmos. Pensei em várias hipóteses. Ponderei a sua homossexualidade, que o faria urinar sentado para se sentir mais feminino, talvez.


Por pressa? É mais lento… Já fiz o teste…


Quando se acorda erecto com vontade de urinar, por muito que seja difícil acertar sempre na sanita, sentado não dá. Não cabe bem, acerta-se no tampo, mija-se aquilo tudo… Acreditem…


Quando o encontrei, estava a sair do cinema, abraçado a uma bela turca. A hipótese da homossexualide desvaneceu-se. Aproveitando o desconhecimento da língua lusa da Aysun, voltei a perguntar ao João acerca do porquê.


Tive que explicar acerca do meu problema em escolher um trabalho, a explicar-lhe o meu porquê. De andar obcecado com o assunto, eu tinha-me tornado, ou tentado tornar, um detective profissional.


Até se riu da minha "maluqueira", conforme ele a chamou, e eu também ri, daquele grandalhão a mijar sentado. Não ficou ofendido, e deu-me duas semanas para investigar. Deu-me acesso à sua casa de banho outra vez, sem ser para dormir, mas sim para trabalhar como detective sorridente.


Duas caixas de sapatos em frente à sanita, afastadas. Ao que parece, tinha-as deixado desarrumadas. Sem sapatos, mas cheias de madeira. Ele até já as tinha tentado prender ao chão e tudo…


Até consegui deixar um gravador escondido na casa de banho, mas não me serviu de nada. Ouvi-lo outra vez não me serviu de nada.


Passaram as duas semanas, e o meu recém adquirido objectivo de me tornar um detective profissional foi destruído, e estou agora pensar em vender atlas turcos.


Consegui um óptimo preço através da Aysun, até ando de olho nela. Pode ser que o meu tal "Porquê" obcessivo venha a ter o seu lucro.


Isto porque o João estava à espera de uma bolsa (consegui, ainda bem) para ir tirar um curso de biologia fabuloso a Estocolmo, para fazer o seu mestrado nos hábitos dos gorilas. Os gorilas, a sua paixão. Senta-se, apoia os pés nas tais caixas de sapatos cheias de madeira, e mija.


Porquê? Porque gostaria de ser um gorila, e nunca vai conseguir. Que raio de "Porquê".

sexta-feira, agosto 13, 2010

Não interessa se o gato é preto ou branco. O que interessa é apanhar o rato. Ouvi isto no outro dia e o raio da ideia não me sai da cabeça. Será que isto se aplica às pessoas? Tenho enlouquecido serenamente a pensar no assunto. Eu cá não apanho o rato, não tenho jeito para caçar. Mas não quero ser um rato. Uma presa? Era só o que faltava. Mas realmente isto parece um jogo. Que não sei ganhar. Não sei jogar… Já arranhei, mas acabei por sair muito mais arranhado. E não quero continuar. Às vezes nem quero sair de casa, não sei quem me vai aparecer pela frente, e nessas alturas enlouqueço dramaticamente. Tudo é negro, estou à espera de armadilhas espalhadas pelo chão e nunca olho para cima.

Agora? Agora já disse. Enlouqueço serenamente. À procura de uma mudança. À espera, a tentar olhar para cima enquanto ando.

quinta-feira, fevereiro 25, 2010

Na minha cama com ela

Porque é que ela aparece?

Como é que ela aparece?

Porque é que agora me lembro quase sempre dela, com o seu seu irritante sorriso?

Estou farta. Durante o dia, mal trabalho. Chego a horas, estou sentado e mantenho um ar concentrado.

E lá fico a matutar... a matutar. Lá mexo nuns papéis como se fossem tesouros como se fossem tesouros, sempre que passa alguém, e ponho-os de lado.

E depois? Depois casa, e ainda costumo apanhar a cantoria estatal na televisão, a mostrar aos miúdos que chegou a hora de ir para a cama

E ele aparece. Já jantado. Eu também, nunca espero pela sua eventual companhia. Pelo menos é querido. Tanto que quase parece com um garoto de cinco anos. E isso obriga-me a perguntar como é que lhe correu o dia, para estar tão bem-disposto (está sempre). E perde sempre cerca de meia hora a falar das aulas, dos putos, dos textos, sei lá. E não dá para evitar. Nem interromper. Lá falar, o gajo sabe.

Eu? Eu nunca falo do meu trabalho, já o avisei. Lá tenho que me repetir de quando em vez, quando se esquece e me pergunta. Mas não pára de falar. Toma a palavra pela rédea e... eu vou desaparecendo.

Passado um bocado, ela aparece. Eu já me fui embora. Subi de balão no meio das suas palavras para outro lado. Para o outro mundo. Onde não me chateio, onde os pássaros chilreiam pousados nas barrigas dos gatos que se estão a espreguiçar. De vez em quando, os gatos acabam o descanso e acordam em forma de tigres. Os canários perdem a elegância e ganham um novo vermelho. E o mundo fica feio, sujo. A luz apaga-se e acordo.

Nessas vezes, acordo nua. Ela vem-me contar o inenarrável antes de se ir embora. Fico a saber onde é que está a minha roupa, e porquê. Fico a saber onde é que não vou tomar o pequeno almoço.

E fico a olhar para a parede, sem saber o que fazer. Nunca sonho. E ainda bem. Porque tenho medo dos meus sonhos. Esse medo faz-me ficar sem dormir. Tantas vezes... O ponteiro dos segundos faz-me companhia quando finalmente fecho os olhos para tentar descansar um pouco. E não se despacha.

Finalmente, as notícias matutinas na rádio. Talvez apenas a notícia matinal, tenho que tomar banho e não posso ir nua para o trabalho. Nunca mais chega a notícia de que vou dormir sozinha, ela não a traz.

E continuo.

A amontoar papéis e a receber elogios.

A ser visitada por ela, não me deixa em paz, não consegue desaparecer.

Eu? Eu consigo. Consigo sobreviver, e ainda consigo aparecer.

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Congresso

Não acredito. Estou atrasado. Já só falta meia hora para o Congresso dos Corcundas Incontinentes.

Logo eu. Que fiz tudo para que surgisse o lobby dos corcundas incontinentes, o principal responsável pela referência no último volume da Enciclopédia Larousse. O criador da famosa fralda multi-funções, só para nós. Alguém imaginava, há cinco anos, que podia ter uma fralda capaz de reter os líquidos indesejados, de endireitar as costas, e ainda capaz de queimar um perfil do papa num leite-creme prestes a ser servido?

Tudo isso por minha causa... E falta cada vez menos tempo...

Nem sei como é que vou ficar visto na academia se faltar... Estou cada vez mais nervoso e acendo um cigarro. Enquanto freneticamente dou voltas à praça, começo a ficar com medo da minha bexiga. Ainda por cima hoje estou sem fraldas. Logo depois, sinto as minhas cuecas a ficarem um pouco húmidas. Deixo o cigarro ainda aceso junto ao ninho dos pombos, e fico apenas uns segundos a vê-los a apreciar o fumo... Eu detesto pombos, e quero que morram todos. E acredito na teoria do excelso professor Stevens, que defende que quando estão viciados em tabaco são mais fáceis de matar.

Evito perder-me nos meus pensamentos deliciosos sobre a morte dos pombos, e vou à casa-de-banho. Ao sair, vejo mais uma pessoa na praça. Ainda por cima, de uma minoria irritante que parece que está na moda... Anões com Síndrome de Tourette... Mas alguém acredita nessa merda?

Eles estão sempre a praguejar porque nunca conseguem comprar calças da Levi's e porque um anão com umas botas Doc Martens fica realmente ridículo. Ainda fui falar com ele, para lhe explicar o porquê da minha pressa, mas ele reconheceu-me do incidente da semana passada no autocarro, quando não só não ajudei a sua namorada anã a sentar-se (ela não chegava lá, é mesmo, mesmo, mesmo anã, e só repetia «Punheta, punheta, punheta!»), como ainda lhe roubei o lugar (estava cansado, tinha estado a jogar xadrez...).

Lá aparece um táxi, e o anão embarca nele. Ainda peço ao condutor para voltar à praça assim que possa. Obediente, demora um quarto de hora a voltar, e apanha-me, muito ansioso.

A caminho do Palácio de Cristal, começo a ficar mais relaxado com a imensidão de sinais verdes que o Josué atravessa. Porreiro, o taxista, mas com péssimo gosto musical. Já deve ser difícil para os outros, mas ouvir a Celine Dion a guinchar na rádio desconcentra-me mesmo muito. Só me vem à cabeça o raio do Titanic a desfazer-se no meio de tanta, tanta, tanta água.

Uff, a música acabou. É pá, não acredito... «Sou como um rio», dos Delfins... Estou a contorcer-me no banco de trás, quando oiço Josué:

«Está tudo bem?»

O meu «Acho que não, devia parar» é ignorado e as minhas calças de linho brancas começam a ficar amareladas.

«Foda-se, limpei a puta do carro hoje! Vou já voltar para a bomba, caguei para a tua pressa!»

E agora? Realmente, era estranho entrar no congresso com as calças amarelas, e de certeza que o Josué me quer obrigar a limpar o carro...

Estou mesmo a ver o fim desta história... Vou ser demitido da Academia...

Bem, eu já tinha dito... Congressos à terça-feira não dá para mim!

quinta-feira, janeiro 21, 2010

planta, crer, induzir, telemóvel, flor, praia

Estranha planta que eu vi. Quase não conseguia crer. Pensei que podia ser Baco a induzir-me numa visão fantástica da vida. Mas não. Estava mesmo lá. Já tenho o número de telemóvel e tudo.
Como é possível? Uma bela flor à beira-mar plantada, numa singela praia onde tudo pode acontecer.

sexta-feira, dezembro 18, 2009

Candeeiro

Velho, Amanhã, Árvore, Candeeiro

Coitado. Tão velho, nem se consegue mexer.

Muito já ele viu. Desde o casal feliz que encontra o médico e fica a saber que nasce uma família, ao lamento sofrido de quem foi traído.

Pelo menos, a árvore não se vai embora. Vai crescendo. O pior é quando cheira mesmo mal e o cão do 23 o escolhe.

Já viu de tudo. E agora? Sem luz, o que faz? Um pouco mais do mesmo, não vai a lado nenhum.

Pode ser que amanhã alguém o arranje. Que lhe dê uma luz intensa, colorida.

Vai-lhe fazer bem, dar outra luz. Sentir e dar a sentir outro brilho.

Felina

Apetece-me estar com ela, claro, mas não sei se devia. E se as suas garras saltassem e me ferissem? Mas tem garras? Parece que sim. Parece um gato tenro, a quem apetece acariciar, tocar, carregar para todo o lado... mas sabendo que elas estão lá. As garras, prontas a saltar.

Se calhar, vão-me fazer sangrar, de uma ferida funda, que não fecha.

Tenho algum medo mas, tal como um gato, quando ronrona eu não consigo fugir. Tenho que lá ficar, sentir o seu calor, aumentar a sua alegria. Eu consigo.

Consigo sempre pegar nos gatos. Quase sempre, pronto. E isso faz com que queira ir atrás daquela felina que caminha sensualmente à minha frente.

Já tenho duas coisas a lixarem-me a vida. As garras e o «quase». Agora, não me saem da cabeça aquelas vezes em que fugiram, e só me atira mais para baixo, lembrar-me de quando fiquei só. Só, frustrado e a sangrar. Sim, de uma dessas feridas que não saram.

E agora?

Parece que estou farto de mim, que queria ser ágil, rápido, eu próprio um gato, que cai sempre direito e que só se magoa se lhe quiserem fazer mal.

Quero deixar de ser quem sou, apesar de gostar muito de muito do que já fiz. Agora já não me surpreendo.
Escrevo-te

Em linhas estranhas

Rasgam o papel

Mas não chegam

Não sei onde é

Não consigo sair

Inominável

Indescritível

Inexistente

Onde?

Para onde vou?

Para onde quero ir?

Se para onde não quero

Mas não chega

Preciso de uma meta

Para cruzar

De uma luz

Que me alumie o caminho

Lê as minhas palavras

E queima-as

Que a chama chegue aos meus olhos

Beijo

O amor a surgir

O até já que sabes que é um adeus

A crença e o orgulho no filho

A banalidade animal de que precisas

A testa húmida, porque a cabeça atrás merece

O cumprimento quotidiano

O comprimento do que já se viveu

Pode saber mal

Quando dado com pena

Mas sabe tão bem

Quando nasce do quase nada

Medo

Onde estás?

Tu, que não me conheces

Não tens pedras para me atirar

Se calhar

Tenho que me vender um pouco

Talvez resulte

Não tenho que me desculpar

Ainda, só ainda

Dizem as más vozes

Raio de mundo

Não sabe estar calado

terça-feira, dezembro 15, 2009

Ali

Ali

Onde te levei

Onde sorrias

Ainda te lembras?

Sei que sim

Quase sorris, mas não consegues encontrar

Nem o caminho

Nem a força, o brilho

Passam-se décadas

Ainda o procuras

Até que te distrais com uma festa

Mas lembras-te...

Para onde vais?

Esqueceste-te?

sexta-feira, dezembro 11, 2009

Algo

Preciso de algo

Conhecer

Explorar

Acordar a surpresa

Queria

Esperar o inesperado

Vejo, mas não lhe toco

Eu?

Espreguiço-me

Respiro

E não desaparece

O desejo

O sofrimento

quinta-feira, novembro 12, 2009

Da altura d'«O Atropelável»...

«há 2 anos era um génio...
eu não acho que fosse um génio realmente, mas sim um gajo normal, com alguns jeitos e com um pensamento realmente rápido, que era adquirido pelos outros, claro!
um gajo genial!!! que tontice...

(...)

eu tenho e sempre tive boa ideia acerca de mim
eu não sou gajo que não seja presunçoso, e acho, aliás sei, que vou recuperar excelentemente, vou tirar fotos fabulosas e vou voltar a escrever um fabuloso português, as outras é que se lixam
aliás, estou aqui, e vou escrevendo um livro. e já escrevi bem, bem pior...»

terça-feira, outubro 20, 2009

Plágio

O meu texto «Não me cerejes» foi publicado no Notícias da Portela, e fui subtilmente acusado de plágio... Aqui está a acusação, e a resposta.



Marco António em Outubro 8th, 2009 9:58
Exmo. Sr. Miguel Pinto.
Apresentando os meus melhores cumprimentos para toda a organização e, especialmente para si, venho deste modo simbólico, agradecer a mais bela reportagem que tive o prazer de ler no Notícias da Portela. Falo do artigo “não me Cerejes”, de longe, um artigo que dignifica a qualidade da publicação.
Mas, como tudo na vida o tem, existe uma leve alusão a um artigo que em tempos escrevi, num artigo publicado no matutino croata, o Jutarnji List de 21 de Janeiro 2007, do qual sou autor (artigo “Skandinávské cherry”).
Sabendo que não existe qualquer intenção de plágio, no entanto, caso queira publicar mais artigos interessantes, agradecia que me contactasse, para tal, fica aqui o meu mail pessoal:
marcoantonio@jutarnji.list.cr
Espero poder, tambem, manter o bom nível qualitativo e cultural da vossa prestigiada publicação (pelo menos aqui na cidade de Ljubljana).
Sem mais, agradeço a atenção dispensada, subscrevo-me,
Marco António



Miguel Esteves Pinto em Outubro 9th, 2009 21:26
«Ao comer cerejas com os grandes senhores, corremos o risco de receber os caroços em cima do nariz.»
Exmo. Sr Marco António,
Ganhei o dia. Assim que me ligou o chefe de redacção, para me informar que tinha sido acusado de plágio, fiquei com um sorriso nos lábios que não desaparece.
Quando finalmente li a sua missiva, fiquei ainda mais feliz. «Não me Cerejes» dignifica, efectivamente, a qualidade da publicação, obrigado.
E sim, faz uma acusação de plágio escondida na inexistente alusão a um artigo que terá escrito no Jutarnji List, cuja existência eu desconhecia, até agora.
Enganou-se.
Tem outra origem… E estou cheio de vergonha…
«A vergonha não espera por ninguém, a não ser que não a ajudem a chegar.»
O meu tio-avô, na sua penúltima vida, nasceu em Israel e, daí à escandinávia, foi um salto. Implantou, como costume obrigatório no nosso clã, o consumo de chá de cereja escandinava ao acordar, para todos aqueles que estivessem sem rumo.
Além disso, resta a questão do chá de apêndice. Realmente, vem de algum lado. Está escrita, há uns aninhos, a prática de vingança, como a mais cruel possível. Mas isto na Bíblia da Igreja Meso-politâmica do Burnubização do Senhor , que fui eu que escrevi… (Sou o sumo-sacerdote.)
Portanto, mais uma vez agradeço a sua acusação de plágio do seu artigo. Fui ler provérbios escandinavos, que tão bem soam aqui. Sabia que «a afectação é aprendiz do orgulho»?
Eu não sabia. Espero que realmente não bebam chás como os que descrevo, já que são um povo tão inteligente…
Ocorrem-me tão belas expressões escandinavas… (Espero que não tenha escrito um livro de provérbios escandinavos, senão aponta-me logo o dedo, imagino…)
«Quem persegue a outra pessoa priva-se a si mesmo de repouso.»
Se alguma vez visse um texto com semelhanças a um meu, e se a probabilidade de o autor conhecer os meus textos fosse quase nula, eu ficaria feliz. E mostrar-lhe-ia o meu texto, se os considerasse quase gémeos…
Porque «o pensamento não paga direitos de alfândega». E ainda bem que «a corda para amarrar os pensamentos ainda não foi urdida»; mesmo assim, os governos lá vão tentando manipular a informação e fazendo ligeiras lavagens cerebrais. Mas os pensamentos ainda não estão amarrados…
«Quem deseja fazer de louco encontra sempre quem o ajude»
Cumprimentos
Miguel Esteves Pinto

domingo, outubro 11, 2009

Já não se fazem guerras como antigamente

Antes, é que era. Com uma espada, uma faca, ou mesmo uma colher. E não mandavam os cozinheiros atacar. Os líderes iam à frente das massas. Bradando, e ostentando a arma escolhida.

Agora, é muito mais fácil. Pelo menos, preocupam-se menos. Penteiam-se e maquilham-se, para falar para uma lente catita, nada agressiva, e pronto. E enviam assim os seus soldadinhos (antes fossem de chumbo, mas são eles os culpados; são quem abdica do poder).

Hoje em dia, parecem miúdos a juntar cromos. E os Estados Unidos da América vão à frente. Sim, por acaso têm o exército mais forte, mas não é só isso. Já vão no quarto Presidente com um Prémio Nobel da Paz. E acabadinho de chegar. O novo messias. Escurinho, já não se pode dizer que os americanos são racistas, e com mais currículo do que Jesus.

Como veio noutra altura, não se vai deixar apanhar pelos outros, os maus. Além disso, só um deles é que tem um Prémio Nobel. E não me venham com fundamentalismos. Somos, ou não, todos filhos de Deus?

Pronto, é certo que ainda existe Guantanamo, mas ele ainda não teve tempo. No próximo mandato, ele trata disso. Se o Bush foi eleito duas vezes... consegue, de certeza. E, não sei se já vos disse, ele ganhou agora... um Prémio Nobel.

Tenham calma, tudo vai ao lugar. É preciso ter calma. Rezem um pouco. E não rezem por ele, rezem com ele.

Bloqueio do Escritor

bloqueio

s. m.

Cerco em que, sem atacar os cercados, se lhes impede toda a comunicação do exterior.

escritor (ô)

s. m.

1. Autor de obras literárias ou científicas (com relação ao estilo, à forma que emprega).

escritor público: literato de profissão.

Realmente, ninguém me ataca, apesar de me sentir cercado. Por paredes negras e esmagadoras. Não impedem toda a comunicação com o exterior... Apenas aniquilam a minha vontade de chegar ao exterior. De quando em quando, o meu telemóvel não envia as mensagens. Já me ligaram, estando ele ligado, e fez greve... O bloqueio é lixado...

Não me apetece ligar a ninguém. Não quero comunicar com o exterior. Tornar-me num desses, esses que, de forma anódina, saíram do bloqueio e sobrevive. Com o bloqueio cruel, pelo menos sou diferente. Sei que algo não me deixa respirar. E quero conseguie fazê-lo. Mas aprendi algo. Aquilo que eu não sou. Ainda não sou (e espero não vir a ser, se isso implicar escrever o que devo) um escritor público.

Literato de profissão? Até tem alguma pinta. Imagina-te num bar, à noite. A dona dos olhos azuis misteriosos que não te largaram acaba por encetar uma conversa. Mostra interesse em ti. Quer saber de ti. E pergunta-te qual a tua profissão.

«Eu, eu sou literato»

Fica estupefacta, e já sabes que está no papo. Ficou tão boquiaberta, que já te aprontas para o próximo salto, não custa nada.

De qualquer maneira, creio que seria incapaz. Não de usar essa arma de engate – seria capaz, mas sentir-me-ia estúpido−, mas sim de me tornar um escritor público. Não é uma profissão estável. Daqui a uns tempos, estará classificado o «bloqueio de escritor público» ou, mais sonante, «bloqueio de literato». E eu não quero estar no meio dos «despedidos por bloqueio inultrapassável».

Igual?

Estás diferente

Já não pareço eu, dizes

Para não pareceres quem és,

Tu deixas-te confuso

O progresso, a vida, a história

Agora não te reconheces

É feio não te reconheceres

Acertas quase sempre

Aquilo em que não te reconheces é feio

Desculpas-te

O que se passou não é nada teu

E não te reconheces

Estás diferente

Vício. Viciante. Viciado.

Estas palavras têm algo a ver comigo.

Há vícios que se exterminam. É estranho. Parece que sempre fez parte de mim. E depois... escapuliu-se.

Foi estranho. Só reparei que já não roía as unhas quando me cocei com muita força. Parece que apanhei um táxi para um universo em que tudo está igual, mas não roo as unhas.

Viciante é uma palavra que não atribuía a mim, mas outros o fizeram, daí falar no assunto. Talvez por causa de um vício, que será talvez contagiante. Estou agora viciado nisto que está à vossa frente. A escrita. Será que penso no assunto dois dias antes, e reflicto que aquilo realmente merece passar para o papel? Claro que não. Escrevo porque me faz bem. Quando não escrevo, sinto-me estúpido, burro, inútil.

Mas porquê viciante, ainda assim? Deve ser o montro que há dentro de mim, e sai cá para fora, de tempos a tempos, em palavras, escritas ou, por vezes, faladas. Deve ser isso.

Ainda assim, não acredito muito nisso. Até gosto de mim, mas, de tempos a tempos, gostaria de tirar umas férias de mim próprio, e não posso.

Viciante não me soa real. Viciado, sem dúvida. E já conheci mais uns quantos.

De quando em vez, lá vem a conversa da ressaca:

«Já não escreves há quanto tempo?», «Não tens escrito, pois não?» ou «Já escreveste, desde...?»

Claro que as perguntas mudam muito, de vício para vício.

«Meteste quantos gramas?» - surge, em conversas entre toxicómanos (aqueles assim definidos pelas notícias e pelas leis).

Mas ninguém pergunta quantas palavras é que escrevi antes de jantar. Era só o que faltava, ir contar as palavras...

Escrevo porque sempre faz a serotonina saltar no meu cérebro (é o que todos os vícios fazem, não é?). sabe bem e é barato. O lado mau é conhecer melhor os meus podres, e escrever merda tantas, tantas, tantas vezes...

Sentidos

Que cheiro tem uma emoção?


Há dias em que cheira mal

Em que o mais valioso sorriso

Cheira a podre, se recheado

De ódio e inveja

Sempre que a estupidez apadrinha uma

Como filho bastardo

E não há nada a fazer

No entanto, quando ela se lembra

Porque tinha reparado

Na quele teu pormenor

Cheira sempre a rosas

Aquelas únicas, mágicas

Que não perdem o aroma

Porque não morrem

Porque há emoções que não se vão embora

Estão lá sempre


A que sabe uma acção?


Ao melhor doce que já provaste

Quando acredita em ti

Quando essa crença a faz dar um passo

E fica mais perto de ti

Quando espera por ti

E desculpa o indesculpável

Ou sabe a agridoce

Se for bem escondida

Estranha-se, mas aceita-se

E está tantas vezes podre

Que uma palmada nas costas pode saber a vomitado


Qual a textura de uma decisão?


Pode ser áspera

Uma segunda escolha pode ser letal

Derramar sangue

Quando as paredes que te esmagam

Nada de suaves têm

Algumas, protectoras

Como são aquelas reveladoras

Que te levam num opíparo leito

Para o centro do mundo que estás a criar


Que som tem o silêncio?


Há dias em que o silêncio se ouve em carinho, em amor

Um sorriso ouve-se noutro continente

Uma festa acorda-te, com o som de uma ode

Também há os outros silêncios

Os que mostram a revolta muda

Aqueles que fazem trespassar o ódio

Que fazem as palavras fugir

Que deixam o coração a sangrar...


Que cor tem o vento?


Há dias em que é cruel

Tudo negro à volta

Pessoas cinzentas, a andar sem sentido

Há outros ventos

Que deixam tanta cor

Vejo um arco-íris enorme

Que foi arrastado

Enfeita aquela noite especial

Em que não fechaste a janela

Tem todas as cores, que vai perdendo

Quando o vento se aproxima disfarçado de negro

Mas não é sempre

Nem conseguia

As cores acabam por sair

Indeciso, o vento

Confusa, a vida

domingo, setembro 27, 2009

«Ilda Maria Pinto Pires»

Uma avó que não existe
Até sempre Ildinha













Ildinha


Quero tanto estar errado

Voltar a ser criança, tê-la a cuidar de mim

acreditar num céu, para lá da terra

A próxima paragem é essa?

Já tive a certeza que sim. Hoje não

Hoje não sei

Ela nunca me mentiu

Há-de haver um sítio, para onde foi

Um Vale de Carvalho eterno,

ali bem perto do Corotelo

E vai estar sempre de portas abertas para os seus

Sem pecados, sem lixo, sem chatices

Com todos

Ela nunca me mentiu

Há-de estar lá

Ou então, mesmo, mesmo a chegar


XXIV-IX-MMIX


segunda-feira, setembro 21, 2009

«Eu trabalho para o buraco negro onde nenhuma lei é válida»

«Eu trabalho para o buraco negro onde nenhuma lei é válida.»1

Ainda bem. Ainda bem que nenhuma lei é válida. Que não há polícias de choque do buraco negro, escutas telefónicas do buraco negro, registos de informação no buraco negro. Já existiram, mas deixou de fazer sentido. Sem leis válidas, porquê pensar nelas? E porquê trabalhar? Também não percebo muito bem. Fora do buraco negro, metade do mundo pensa que peca, só por viver. Cá dentro, todos pensam que precisam de trabalhar.

Porquê? E para quê? Ninguém irá verificar a lei que não existe que diz que se deve trabalhar se alguém decide não o fazer. Fugir. Sair do buraco negro. Ninguém sai. Ninguém decide.

Por um lado, quero, preciso, vou... Um dia destes vou. Vou trabalhar para o buraco negro. Onde os olhos valem mais do que a cabeça. Fugir à lei que me empurra.

Por outro, não posso, não consigo, não devo... Cair assim, novamente, no buraco negro. Por vezes não o encontro. Já hesitei por pensar na vida sem leis que me protejam. Que me protegem. Imagino que sim.



1 Isto, disse William S. Burroughs, depois de reparar que tinha começado a chover.

sábado, setembro 19, 2009

Talvez «um pouco»...

«Para um liberal e com gosto pelas artes, pareces-me um pouco iludido ou enganado pela vida.»

É o que acontece a gajos desorganizados, têm-se surpresas destas.

Isto estava escrito num papel que descansou cerca de três anos, imagino, no bolso de umas calças. Calças estranhas. De vez em quando, vejo-as a olhar para mim e considero-as repulsivas. No outro dia, não. Estavam com bom ar. Vesti-as e encontrei uma antiga missiva.

Realmente, sou um gajo liberal. Serei intelectual, talvez (se calhar, há alguém mais a pensar isto de mim e tudo). E sim, claro que tenho gosto pelas artes. Mas nunca juntaria assim todas estas palavras. Catita!

Mas iludido pela vida? Talvez. Talvez «um pouco. Apenas «um pouco». Para se querer fazer algo bom, especial, único, há que ser «um pouco» optimista.

Passar umas férias, umas noites, ou umas horas, de quando em quando, nesse castelo das ilusões que surge, tantas e tantas vezes.

Regra geral, sou mais desiludido. A pergunta que não vi no teste (desiludido comigo); o falhanço naquela relação (desiludido com o contexto, com a situação); ou a derrota no derby (metade de Portugal fica desiludida)... E surgem, ainda assim, por vezes, os tais castelos. Em mim, e em muitos. Hei-de ter boa nota! Há-de correr tudo bem! O Benfica vai ganhar o campeonato!

Enganado pela vida? Ela nunca me mentiu. Já me surpreendeu muitas vezes. Pela negativa, mas também pela positiva. Mas já fui enganado por feirantes, que garantiam, a pés juntos, que aquilo havia de funcionar; pelo gajo da papelaria que, coitado, deve ser doente, e acaba por se enganar sempre no troco...

Espero que não haja muitas pessoas a pensar assim acerca de mim. «Um pouco» de uma série de coisas. «Um pouco» a viver, e, ainda por cima, a errar. Não, não soa nada bem. Bem, mas «um intelectual e com gosto pelas artes» soa bem. É sonoro, é sonante, é pomposo...

Arrogante? Não, as palavras não são minhas... Bem, talvez «um pouco» arrogante, senão não escrevia isto, não teria esboçado um leve sorriso ao ler esta frase...

Mas sim, espero que só «um pouco».

sexta-feira, setembro 18, 2009

Potente paradoxo, projecta-me para o passado e para o presente

O que é que hei-de dizer dele? Nem sei bem... Já me pediram a opinião inúmeras vezes, em relação ao Carlos. Já o conheço há tantos anos...

Acabo por cair quase sempre numa descrição algo paradoxal: «É um gajo... bastante mais ou menos...»

Foi da minha turma 12 anos. Nunca chumbou, mas nunca foi um bom aluno. Conheci algumas namoradas no processo. Não eram nem beldades, nem monstrinhas, antes pelo contrário.

A Joana era bonita, lá isso era, mas saía ao pai. Mesmo ao pai. Algumentativa, perfeccionista, com um peito liso, os ombros largos e as axilas peludas.

A Filipa, por seu lado, roçava o limiar da comestibilidade (por vezes assustava, olhar para a sua cara), mas era impossível falar mais do que cinco segundos com ela sem se ficar embasbacado pelos seus voluptuosos seios. E pela sua anca também. Até as suas amigas diziam o mesmo...

Apenas estas duas já ilustram o seu habitual padrão... Elas próprias, escolhidas a dedo, eram bastante mais ou menos.

Mas sempre o fizeram pensar na vida. Nem pouco, nem muito. E afirma, no meio das suas conversas:

«Estou cada vez mais na mesma...»

A última vez que o vi, encontrei-o mais feliz. Eu próprio fiquei feliz, por ele.
Estava a sair do cinema com uma nova amiga, anódina q.b., e, assim que me aproximei deles, voltei a ficar confuso, ainda que talvez faça cada vez mais sentido a sua caracterização como um gajo mais ou menos.

Ouvi apenas esta conversa, sem me terem visto:

Ele: «Gostaste do filme?»
Ela: «Gostei... mais ou menos...»
Ele: «Eu cá, eu achei exactamente o contrário...»

Não os consegui interromper e fugi. A comunicação havia de funcionar, entre eles. Que funcione, pelo menos entre eles.

E que sejam mais ou menos felizes.

Ou, pelo menos, o contrário.

magnetismo

magnetismo, tinta, porco, olá, cintilante, perfume

Magnetismo. Sim, essa força da natureza que não se percebe bem.

Não é simplesmente conhecer alguém e quererem logo conhecer-se biblicamente, querer ser deliciosamente porco, como se apenas a libido interessasse.

É isso, e muito mais.

Aquela força nela, cujo simples «Olá» faz com que notes na apurada subtileza do seu perfume, faz com que queiras conhecer toda a tinta que ela já fez escorrer, que ainda te faz pensar em cada um dos seus olhos como algo tão cintilante, tal como se de galáxias se tratassem...

Isso sim, esse magnetismo que procuro, e que me faz a mim próprio também escorrer tinta.

borderline

amor, livro, cavalo, matraquilhos, inédito, sabor

Às vezes, sinto-me como se fizesse parte de um livro. Como se fosse uma personagem. Em cima do meu cavalo, e a gritar, de espada em riste, contra os muçulmanos.

Espero que, ao menos, seja um livro inédito, a estória já é batida...

Outras vezes, não sinto a vida. Sinto-me como um boneco de matraquilhos, igual a todos os outros...

E assim, sobrevivo...

Mas não vivo...

Não sinto o sabor da vida... Onde está o amor pela vida?

Arrebatamento

cona, mesa, fuligem, arrebatamento, McDonald's, antimatéria, casa

Não percebo como é que a fuligem foi parar à mesa. Tinha lá estado, de pernas cruzadas, a pensar nela e, de repente, ao olhar para lá, parecia que tinham lá ficado os restos do meu pensamento.

Saí de casa. Estava farto dos meus próprios pensamentos. Fui ao McDonald's comer (sim, eu sei que é estúpido), e soube-me a pouco. Sentia-me como um verme no meio da antimatéria, não sabia o que fazer.

E voltei a pensar nela. Não na mulher como um ser completo, mas no sexo, nas carícias, na cona.

Não aguentei mais. Apanhei um táxi, fui ter com ela, e não hesitei. Possuí-a sem lhe dar hipótese. É difícil parar a força do meu arrebatamento.

Até para mim.

Novidades - Exercício

Pois é, de quando em quando vão aparecer aqui umas coisas estranhas. Sim, eu sei, isso já é mais ou menos hábito, mas desta vez é diferente. Faço um exercício de escrita com um amigo, e escrevo textos com seis palavras que lhe tenham saído da cabeça.

domingo, setembro 06, 2009

Água do Fastio

Há sempre coisas a aprender. Estava prestes a escrever um texto sobre a expressão latina «nihil admirari» e perdi toda a vontade. E porquê? Por causa da água do fastio.
Sabe bem? Sabe mal? Não sei, eu tenho muito pouco paladar, para mim é igual à água da torneira. Não foi por causa do sabor, mas por causa do nome.
«Fastio» é palavra de que só me lembraria por causa da água. E porque raio tem esse nome? Tive que ir ao dicionário, e depois percebi. É tudo uma questão de marketing, mas resultaria bem se se ficasse apenas pelo ponto 1.

fastio
s. m.
1. Repugnância pelo alimento; falta de apetite.

«Repugnância pelo alimento»? Claro que sim. Concorrência feroz, essa, a dos alimentos. Muitas vezes, as pessoas só querem comer, e beber aquele vinho, ou aquele sumo, porque fica bem com aquele prato. Aí está, a água sente, de certeza, repugnância pelo alimento quando ninguém lhe liga nenhuma. A água tem que se afastar dos alimentos... E as pessoas não ligam e querem vinho... Vinho, pois, raio do vinho...
«Falta de apetite»? Pensem bem. Hoje em dia, saio à rua e sou confrontado com pequenas baleia a saltitar por aí. A obesidade está na crista da onda, e haver uma água que causa falta de apetite é óptimo. Ajudante de qualquer dieta, e há tanta gente a precisar de fazer uma dieta...
No ponto 2 é que fica tudo estragado... Era bom que não existisse, mas há sempre aquelas notas pequeninas, que se passa bem sem ler.

fastio
s. m.
2. Fig. Aborrecimento; tédio; enjoo.

Mas «Aborrecimento; tédio; enjoo»?
«Boa tarde, queria uma “Água do enjoo”, por favor.» - é horrível, eu sei. Ainda bem que quase ninguém sabe disto. E é um segredo que guardarei comigo. Os gajos do marketing deviam ir lavar pratos, podia ser que tivessem mais jeito...

quinta-feira, setembro 03, 2009

Procrastinar

procrastinar
(latim procrastino, -are)
v. tr.
1. Diferir de dia em dia ou deixar para depois. = adiar, postergar, protrair ≠ antecipar
v. intr.
2. Usar de delongas. = delongar, demorar, postergar ≠ abreviar, acelerar, despachar-se

O Português tem coisas fantásticas. Aliás, os portugueses têm coisas fantásticas. Sim, os dois. A língua, sim, e os habitantes também, claro, os portugueses, esses bichos catitas.

Reparem nas várias e fabulosas formas que arranjaram para procrastinar. É caso para dizer que estariam certamente procrastinando, no processo de arranjarem cada uma delas. Mas arranjaram umas coisas bem catitas. Se os criadores do calão burgesso e ordinário (sim, todos nós) lessem mais e tentassem dar ainda mais vida a esta já de ainda crescente, de certeza que já teria surgido muitas vezes, em discussões, qualquer «Posterga-mos!», contra quem defendesse o árbitro vesgo, ou ainda um «Não mos procrastines! É já!» no fim de um decadente e etílico engate...

Quanto aos bichos catitas... Quase estou indeciso, neste momento, entre eu próprio procrastinar um pouco e deixar isto para depois, e realmente escrever mais um pouquinho... Que cargo o nosso... Somos o melhor país do mundo para se praticar a procrastinação... Come-se bem (muito bem, não me venham cá os franceses com lérias) e, acima de tudo, temos cá um clima... Sabe tão bem acordar e ficar a não fazer nada... Até podemos ficar a sofrer por se arrastar ad aeternum aquilo que tem que ser feito, mas ao menos sofremos «à grande». Com bom tempo, bem alimentados, e com boa companhia. Claro, não pensem que esse gajo que acabaram de ver a passar com um envelope volumoso debaixo do braço cumpre tudo. Teve a ver a Fátima Lopes, ou a ler qualquer coisa da Margarida Rebelo Pinto, coitado, enquanto sofria, porque sabia, havia vários dias, que não podia adiar mais, tinha que levar o raio do envelope à loja, até às 18.00h...

Espero que tenha conseguido. Isto acaba por ser o pior. Quando se sofre enquanto não se faz e se pode fazer aquilo que há para fazer, e depois, quando corre mal. Quando se sofre outra vez quando já não se consegue fazer o que havia a fazer aquilo. Aquilo que já tinha dado sofrimento e causado tanta angústia.

Acaba por ser mesmo péssimo, de quando em quando, especialmente quando está a chover, quando a carne ficou demasiado queimada, e quando os geralmente fieis colegas da constante procrastinação estão todos a fazer alguma coisa. E nem sequer apetece buscar a companhia dos ex-procrastinadores, nos seus intervalos...

Aí sim, dá vontade de dizer: «Queria era que isto tudo se procrastinasse!»

domingo, julho 19, 2009

Ouvir desabafos é muitas vezes deprimente. Mas com o ouvido deprimido, pior ainda...

Imaginem o que é ter o ouvido deprimido e ouvir o melhor amigo a desabafar, porque ficou triste assim que soube que os pais se iam separar.

Tudo por causa de dois cortes, que consideravam essenciais para as suas vidas.

O pai já encontara a mulher da sua vida. Era ele próprio, ou seja, a Felismina, e precisava de ser operado para deixar de ser um homem. Abandonaria o pénis, e faria crescer os seios.

A mãe, por seu lado, tinha acabado de passar no exame que a ia permitir ser professora de história. Já andara, desde que descobrira as maravilhas que se descobrem ao estudar história, muito obcecada com alguns pormenores. Já tentara convencer o marido a optar pela poligamia, em homenagem a Muhammad, mas não tivera sucesso. Agora, tomara uma decisão inabalável. Ia - tinha que, como dizia - cortar o seu seio direito, em homenagem às guerreiras amazonas. «Para conseguir disparar o arco como elas! Se calhar, até melhor...»

O marido recusava-se a ficar com ela, ele que gostava tanto do seu seio direito. E ela recusava-se a ficar com ele, já que não fazia sentido nenhum, na sua cabeça, caminharem em direcções tão opostas. Seios a crescer, enquanto ela abdicava de um deles? Motivo para um divórcio.

E ele estava tão, tão triste. Ia deixar de ter família. Ia passar a ter duas mães que estariam a viver separadas. Chorou, chorou, e tomou uma decisão. Ia dormir debaixo da ponte, de três em três dias. Lá ficou mais bem-disposto, quando teve essa ideia, e abalou para a ponte mais próxima, depois de me agradecer.

E eu cá fiquei. Acreditem, ouvir desabafos destes, tão fortes e tristes, faz o ouvido ficar ainda mais deprimido...

Ouvido deprimido

O tempo passado no hospital dá-me que pensar. E os problemas vão aparecendo, mesmo depois de se alcançar a liberdade. Uns tempos depois de sair, sentia sempre vontade de bocejar. Com pouco sono, mas sempre com vontade de bocejar.

Fui ao médico. Após um fantástico e aprofundado exame, chegou a uma conclusão que deu que pensar. Estava com o ouvido deprimido.

Fiquei muito preocupado. Ia ter que tomar comprimidos. Logo antibióticos... Eu detesto tomar comprimidos. Aliás, detesto ter que tomar qualquer tipo de remédios. Ainda por cima, a tomar antibióticos, não podia beber. E calculava que a sobriedade imposta fosse tornar o ouvido ainda mais deprimido...

Antes de ir à farmácia, decidi, teimosamente, procurar o minúsculo divã para ouvidos, que curiosamente havia construído, nas aulas de Trabalhos Manuais, havia quase vinte anos... Mas não o encontrei. O meu irmão tinha-o vendido para ir ao cinema. Eu tive que ficar a tomar um prozac, ou coisa parecida, para o meu ouvido deprimido... Ainda demorou uns tempos a passar.

Pelo menos, o sacana do meu irmão conseguiu pagar o bilhete para ele, e até para a namorada, com o lucro... Mas se, por acaso, leres isto, da próxima vez pede-me dinheiro emprestado, porra...

quinta-feira, julho 16, 2009

E eu, que nunca quis fazer parte de uma matilha

Isto de um gajo ter problemas de saúde acaba por ter algumas coisas engraçadas.

Aí há uns tempos, fui forçado a ir passar umas férias alargadas a um spa bem moderno. Vivi dois meses num sítio tão bem localizado, ali perto do Marim Moniz. Pensão, Quartel, Hospital ou Prisão de S. José. Vocês hão-de conhecer um deles. Aliás, há-de existir um deles. Ou mesmo vários deles.

Antes, não me ligavam nenhuma. Gajos com o meu aspecto, dezenas; com a minha cultura, centenas; com os meus estudos, milhares; com a minha língua, milhões; com a religião que já pratiquei, ziliões; com a minha desintegração na sociedade... não conheço a palavra ao certo, mas acaba em «ões», de certeza.

Era só mais um. Mais um na matilha. Enfim, segundo consta, parece que antes era simplesmente mais um dos gajos que fazem parte da matilha dos que não querem fazer parte de nenhuma matilha. Enfim, um anódino, tolerável e pacífico.

De um momento para o outro, parecia que tinha viajado para tempos idos. Parecia que quase tinha ali (tantos) servos dedicados. Que se preocupavam como eu me sentia, como eu dormia, como eu andava ou como eu falava... (e eu nunca fui um gajo de se sentir mal; de ter pesadelos ou visões durante o sono; de ser um corredor ou um organizador de caminhadas para Fátima; nem, tampouco, um cantor de Ópera, para que ficassem tão interessados na minha voz...)

Só não se preocupavam com as minhas unhas. Mas nem precisavam de o fazer. Os visitantes partilhavam, com os servos, o peso de ter de tratar da minha aparência. E há que convir que as unhas grandes até se podem tornar perigosas...

O que me surpreendeu foi o nível da preocupação. A pergunta que os quase servos mais colocaram era, no mínimo, estranha.«Então, e tem defecado?»

Nem sei por onde começar. Entre outras coisas, há a questão da língua. «Defecar»

«Defecar» é um verbo feio. Feio, mas melhor que tantos outros. Que raio de pormenor que foram inventar. Realmente, é melhor dizer «defecar» do que «cagar», do que «borrar a sanita», e certamente bem melhor do que dizer «arrear o calhau», o que é simplesmente estúpido. Mas «caguei» para este assunto. É triste, ficar a saber assim, das «merdas» da nossa língua.

Além da questão linguística, tenho que admitir que não passava a vida a «farpar-me»1, nem tinha um aspecto fora do vulgar (no que toca à zona do sistema digestivo).

Como esta não será «A crítica da merda pura», tratarei apenas de mais um aspecto. Talvez, o mais relevante. Antes, não me ligavam. De um momento para o outro, parecia que as minhas fezes se haviam tornado figuras públicas. Como é que é possível que haja pessoas que se preocupam mais com o que sai do meu corpo, do que com os livros da Margarida Rebelo Pinto?

E antes, se era simplesmente mais um na maré, as minhas fezes acabavam por ser perfeitamente irrelevantes. Agora não. Indaguei um dos dedicados às minhas fezes.
Mais do que interessado em querer saber o porquê da importância das ditas, estava curioso acerca das opções que estas pessoas haviam feito, para chegarem a um ponto em que realmente se preocupavam muito com excrementos. Perguntei, precisamente, acerca das obras da Margarida Rebelo Pinto. A resposta do ex-compositor (segundo vim posteriormente a saber) foi simples:

«É a mesma coisa. Uma coisa sai de um, por um lado. A outra sai do outro, por outro lado. Escolhi interessar-me por algo que me permite, realmente, ajudar alguém.»

Aí, parece-me que fiquei a perceber um pouco mais. O altruísmo fazia aproximar-se mais de uma merda. Sempre é qualquer coisa. Os leitores da conhecida escritora não procuram as suas obras para ajudar ninguém. Aliás, porque é que as procuram, mesmo?



1 - Outro pormenor realmente merdoso da nossa língua. Parece que os inventores da lingua portuguesa não tinham intestinos e, daí, tivessem decidido escolher palavras e expressões feias, na melhor das hipóteses, ou mesmomuito estúpidas, também, para tudo o que tivesse a ver com os intestinos).

Talvez se diga mais vezes «a soltar uma "flatulência"» do que «uma farpa». Portanto, deveria ter dito que não sou um gajo que solte muitas flatulências, ou, se quisesse transformar o substantivo num verbo, diria que não sou um gajo que flatule muito.

Claro que, perante tal palavra, há quem prefira usar o calão... «Peidei-me» é simplesmente feio. No entanto, a infantilidade de «dei um pum» roça o ridículo. De certeza que vários de vocês brincavam com pistolas de brinquedo, quando eram crianças. E berravam, constantemente, «Pum! Pum! Pum», por vezes seguido de uma informação furiosa: «Estás morto! Morreste! Não te podes mexer!». Um gajo cresce, e vai aprendendo umas coisas. Mas ainda não percebo porque é que «Pum» era um tiro fictício, aos meus cinco anos, e agora tem só que ver com os gases. Sem ninguém me explicar nada.