Estou há mais de três décadas a pensar numa profissão. Sim, mesmo contando com os meus primeiros cinco anos de vida, em que infantilmente sonhava em vir a ser condutor de eléctricos aquáticos durante a semana e caçador de gonorreia polar ao fim de semana…
Do alto dos meus provectos trinta e oito anos, após passar o entrudo, pensava que tinha conseguido decidir finalmente. Ia tornar-me um detective profissional. E porquê? Por causa do João, esse gajo estranho, estranho, estranho…
Conheci-o num bar, um jovem convicto e enérgico, capaz de citar na mesma frase tanto o Charles Darwin como o John Locke, ainda por cima no original inglês arcaico em que os postulados haviam surgido… E capaz de convencer uma pequena multidão de lésbicas enraivecidas, que a mulher também é um animal naturalmente mau.
Foram-se embora a olhar de lado uma para as outras, e entabulei uma pequena conversa com o orador que se tinha dirigido ao público presente.
Passados dois dias estávamos em casa dele, numa tertúlia etiliicamente alegre sobre a criação dos Emirados Árabes Unidos. Lembrando-me da noite, lembro-me com algum pesar a pergunta algo frequente acerca do meu trabalho, cujas respostas em forma de águas de bacalhau foram ficando cada vez mais desconfortáveis. Para mim, mas também para os curiosos.
A meio da noite, cheguei a um momento em que tinha urgentemente de encontrar uma sanita. A bexiga apertava, e o estômago estava a ter problemas em manter a doce cidra quieta.
Encontrei a casa de banho e deparei-me com um cenário estranho. A passar pela janela, vi o João a sentar-se, mas sem levar a Bíblia com que defeca sempre, como tinha partilhado em conversa. Até chegar à porta, ouvi a urina a correr, imediatamente seguida do autoclismo. Melhor, pensei eu, e o João saiu logo de seguida.
No entanto, a minha cabeça fervilhava.
"Ele sentou-se só para mijar, e porquê? Porquê? Nem sequer dá jeito… Tenho que perceber o porquê!"
Nesse momento nasceu um detective, pensava eu. Adormeci a pensar no Sherlock Holmes, agarrado ao trono do João. Acordei com ele a querer voltar a utilizá-lo, e não consegui evitar.
"Olha lá, porque é que mijas sentado?"
Esquivou-se, e disse que estava com pressa. Fui ziguezagueando para casa a congeminar qual a melhor maneira de chegar ao tal porquê.
Depois dessa pergunta incómoda, ficámos duas semanas sem nos encontrarmos. Pensei em várias hipóteses. Ponderei a sua homossexualidade, que o faria urinar sentado para se sentir mais feminino, talvez.
Por pressa? É mais lento… Já fiz o teste…
Quando se acorda erecto com vontade de urinar, por muito que seja difícil acertar sempre na sanita, sentado não dá. Não cabe bem, acerta-se no tampo, mija-se aquilo tudo… Acreditem…
Quando o encontrei, estava a sair do cinema, abraçado a uma bela turca. A hipótese da homossexualide desvaneceu-se. Aproveitando o desconhecimento da língua lusa da Aysun, voltei a perguntar ao João acerca do porquê.
Tive que explicar acerca do meu problema em escolher um trabalho, a explicar-lhe o meu porquê. De andar obcecado com o assunto, eu tinha-me tornado, ou tentado tornar, um detective profissional.
Até se riu da minha "maluqueira", conforme ele a chamou, e eu também ri, daquele grandalhão a mijar sentado. Não ficou ofendido, e deu-me duas semanas para investigar. Deu-me acesso à sua casa de banho outra vez, sem ser para dormir, mas sim para trabalhar como detective sorridente.
Duas caixas de sapatos em frente à sanita, afastadas. Ao que parece, tinha-as deixado desarrumadas. Sem sapatos, mas cheias de madeira. Ele até já as tinha tentado prender ao chão e tudo…
Até consegui deixar um gravador escondido na casa de banho, mas não me serviu de nada. Ouvi-lo outra vez não me serviu de nada.
Passaram as duas semanas, e o meu recém adquirido objectivo de me tornar um detective profissional foi destruído, e estou agora pensar em vender atlas turcos.
Consegui um óptimo preço através da Aysun, até ando de olho nela. Pode ser que o meu tal "Porquê" obcessivo venha a ter o seu lucro.
Isto porque o João estava à espera de uma bolsa (consegui, ainda bem) para ir tirar um curso de biologia fabuloso a Estocolmo, para fazer o seu mestrado nos hábitos dos gorilas. Os gorilas, a sua paixão. Senta-se, apoia os pés nas tais caixas de sapatos cheias de madeira, e mija.
Porquê? Porque gostaria de ser um gorila, e nunca vai conseguir. Que raio de "Porquê".
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