sábado, fevereiro 28, 2009

Sinceramente...

Apenas uma palavra. E bonita. No entanto, bem capaz de travar ridiculamente a comunicação.

Ao longo do seu crescimento, integrara-se bem na comunicação intra-familiar e geralmente tinha sorte...

Quando perdeu as chaves do carro perdeu também a carteira, pejada de notas. Agora não tinha dinheiro para ir ao teatro, a peça que queria muito ir ver, que já estava nos últimos dias.

Teve que ir falar com o pai, e esperou que este se mostrasse tão caridoso como o seu homónimo (este bem mais mediático).

E Jesus apenas disse ao filho: "Eu, sinceramente..."

João tinha-lhe feito uma pergunta simples, e esperava um , claro. Já falava da peça há meses, e quando perguntou ao pai: "Emprestas-me dinheiro, p'r'aí uns 120 euros, para ir ao teatro e passar antes no Casal Ventoso?"

Fez a pergunta sem grande confiança, e isso fez-lhe parecer entender: "Eu, sinceramente, acho que se querias muito ir à peça, já devias estar a guardar dinheiro há 2 anos. Aprende a viver!"

Em resposta, limitou-se a dizer: "Com certeza..." - e saiu de casa.

Jesus nada disse, e ficou feliz a pensar que a comunicação correra bem. Ele imaginava algo diferente. "Eu, sinceramente, nunca precisei de pagar para ir ao teatro. Basta-me sempre dizer que sou amigo do grande Josué, e oferecem-me sempre a melhor cadeira."

E pensava que o filho pretendera responder qualquer coisa como: "Com certeza, têm que me deixar entrar. E vou ao Casal Ventoso também dizer que sou amigo de Josué e filho de Jesus. De certeza que também me safo..."

Feliz, Jesus estava feliz, pensava que o seu filho estava a ficar um homenzinho.

João saiu triste de casa. Não ia ao teatro nem ficar quieto e satisfeito. Não se sabe ao certo o que queria dizer, mas é possível que fosse: "Com certeza, eu não mereço estar sempre a pedir-te dinheiro. Um gajo chumba na 4ª classe e não devia ter mais de 1000 euros por mês como mesada..." ou "Com certeza, mas sem poder ir ao teatro nem drogar-me, acho que vou sair para contar o número de pedras da calçada desta rua."

E toda esta situação por causa de uma expressão estranha. "Eu, sinceramente..." - parece o anúncio publicitário da pessoa. Parece bradar aos céus que não irá permitir o aparecimento de uma mentira. Realmente, não mentiu. Também não disse nada, assim era impossível mentir.

Portanto, toda esta falha de comunicação apenas trouxe desvantagens ao João. Por outro lado, Jesus sempre poupou uns trocos. E lembrou-se do Josué, amigo de longa data, em quem já não pensava havia anos.

quinta-feira, fevereiro 26, 2009

E depois coiso... E tal...

E depois Manuela, como boa dona de casa, foi às compras.

Chegou ao mini-mercado e ficou à espera. Quando foi atendida, virou-se para o empregado e disse: "Só me faltam duas ou três coisas para fazer uma lasanha especial para o meu Jézinho."

O empregado deu-lhe carne picada, massa e um fémur bovino como bónus. Virou-se para a cliente e perguntou: "Está tudo? O que é que lhe falta?"

Manuela puxou pela cabeça atabalhoada porque estava a pensar na melhor maneira de ganhar o euro-milhões, estava lá quase, e acabou por dizer: "E depois coiso... E tal..." - e continuava a divagar pelos seus oceanos cerebrais que a iam levar à riqueza.

Realmente ela poderia estar a querer dizer: "E depois coiso... E tal... Não é preciso saber falar italiano para fazer este prato, pois não? É que eu lembrei-me agora de que chumbei no exame do 6º ano." - ou qualquer coisa mais religiosa como: "E depois coiso... E tal... Garante-me que não diz ao padre que ando a comer comida inventada lá no sítio da igreja, não garante?"

O que é certo é que, depois da sua frase, se criou um silêncio até ela perguntar que horas eram.

O que salvou a situação foi que o empregado nem ligou à resposta, porque não a percebeu, e limitou-se a juntar com os tomates verdes que a sua mãe usava, e depois a dizer-lhe as horas. A senhora que estava atrás, na fila, pensou que ela queria dizer: "E depois coiso... E tal... A puta da italiana que eu devia ter em casa é que devia estar aqui, eu já precisava de ir ao cabeleireiro." - e ficou a achar que ela era uma mal educada.

É com'<ó> outro...

Esta ainda é mais dramática. Se fosse a hipótese errada, assistia-se à morte de Jesus.

Depois de ter cortado as unhas a Manuela continuava deitado, na cama, a tentar ficar melhor. Manuela, preocupada como sempre, perguntou-lhe: "Estás melhor da gripe? A estas horas, já nem te deve doer o intestino delgado, pois não?"

Jesus, embevecido pelas festas relaxantes da Manuela, limitou-se a dizer "É com'<ó> outro..."

Satisfeita, com as melhorias do marido, depois de julgar escutar heroicamente: "É com'<ó> outro. Primeiro estranha-se. Depois entranha-se. E depois expulsa-se. Eu sou melhor a expulsar gripes que o Afonso Henriques a expulsar Muçulmanos." - ficou ela própria calma e relaxada.

Se ele quisesse dizer: "É com'<ó> outro, eu já sei que vou morrer cedo, disseram-me as sereias, portanto mais vale acelerar isto, estou farto de sofrer." ou "É com'<ó> outro, eu passo a vida a ajudar os outros, e quando eu estou pior que um inválido com 3 braços a tocar ferrinhos, e preciso de ajuda, ninguém faz nada!" - Um médico tinha que aparecer.

Mas por sorte não era nada assim tão dramático.

Se queres que te diga... 2

Por vezes elas são mesmo ruins, acabam por prejudicar as pessoas.

Jesus andava pela rua, a começar a sentir-se um pouco adoentado. Por cima da camisola de interior, apenas tinha uma gabardina. Encontrou o seu amigo de longa data, Júlio Baptista.

Ia cheio de pressa, e antes que Jesus pudesse falar, Júlio Baptista pediu-lhe rapidamente a gabardina emprestada. "Vou agora ter uma entrevista de emprego, estou atrasadíssimo e preciso mesmo da tua gabardina, não posso ir para lá a tremer. Emprestas-ma?"

Jesus, a sentir-se prestes a começar a ter que prestar mais atenção à gripe que iria aparecer assim do que à sua mulher, apenas disse: "Se queres que te diga..."

Júlio Baptista pulou de alegria, abraçou Jesus e tirou-lhe o casaco. Depois de (garante) ouvir: "Se queres que te diga, sabes perfeitamente que sou incapaz de te negar algo de que precises. Tudo de bom para ti e continua a tratar bem da minha mulher."

A gripe, quase a chegar, aposta que ouviu qualquer coisa como "Se queres que te diga, encontrei este casaco no fundo do rio Tejo, e subiu um anjo do inferno a dizer que guardar a gabardina sempre em cima de mim era a minha missão." ou "Se queres que te diga, estou com uma falta de memória absurda. Mas foste meu professor de Biologia quando tinha 3 anos, finalmente lembro-me!"

Fosse o que fosse, a gripe realmente chegou mesmo para ficar.

Sabes como é que é... 2

E assim, sem ninguém poder fazer nada perante o assunto, estava quase a criar-se uma família cheia de assuntos tabus.

O anjo familiar ficara a tomar conta de João durante o sono, e depois assistira a mais uma situação confusa.

João acordou e dirigiu-se à casa de banho para lavar os dentes. Não bateu à porta, entrou ensonado e sentiu-se muito embaraçado.

O pai, mais ainda. Estava a masturbar-se e acabara de ejacular. Depois do orgasmo, apenas balbuciou "Sabes como é que é..."

João pediu desculpa, virou as costas e saiu da casa de banho já melhor. Depois lhe parecer perceber "Sabes como é que é, quando tenho que ficar várias horas sem poder urinar venho aqui treinar a pilinha para depois não me sentir mal."

O anjo familiar ficou confuso, mas um pouco alegre. Ele andava de olho na Manuela. Podia ser que Jesus pensasse "Sabes como é que é, tu não me dás aquilo de que eu preciso, eu preciso de um homem na minha vida, de uma vez por todas." ou "Sabes como é que é, tenho que cumprir o contrato que assinámos no casamento, sempre que é ano bissexto, um de nós tem que atingir um orgasmo."

Uma coisa é certa. O João já tem idade para perceber do assunto, e não era o pai que lhe ia dar o livro de instruções, mas assim cinco palavras evitavam uma conversa que podia ser importante.

Se queres que te diga...

E aqui está outra bigamia pérfida. Elas pululam, as doidas. E eu nervoso, cada vez menos a acreditar em Deus, cansado de tanta bigamia.

"Se queres que te diga..." ou "Se queres que te diga," - Andam aí, e são gémeas a evitar.

Depois de ter ido à casa de banho, encontrou a mãe, algo preocupada. Parou logo de bater as claras em castelo, desceu do banco e disse: "Tu não devias sair de casa com essa gripe."

João ficou sem saber o que dizer, a sentir-se um pouco embaraçado. Deu um gole num copo de água e limitou-se a dizer: "Se queres que te diga..."

Manuela, a babosa mamã, sorriu e fez-lhe uma festinha no cabelo. "Vai lá, vai lá dormir. Dorme bem." - disse a mãe galinha depois de lhe lhe ter parecido ouvir "Se queres que te diga, já nem me lembrava que estava doente. Estou como novo! Tenho é algum sono."

E nem o anjo familiar saberá se João se sentiu inibido, e evitou dizer "Se queres que te diga, esse teu avental nojento, mais valia ser usado para acendalha." ou se lhe ocorreu simplesmente "Se queres que te diga, estou a sentir-me cada vez mais feliz sempre que vou para o rio Tejo até ficar com água pelos joelhos e danço um pouco."

Elas andam aí. E realmente andam aos pares. Evite-as.

quarta-feira, fevereiro 25, 2009

Sabes como é que é...

Nunca se sabe ao certo. Pode ser uma interrogação ou uma afirmação. "Sabes como é que é?" ou "Sabes como é que é..." - As pessoas têm uma relação bigâmica com estas frases gémeas.

João encontrava-se muito alcoolizado no meio de Lisboa e não sabia o que fazer. Precisava de voltar para casa e não sabia como, tinha perdido as chaves do carro. Depois de vomitar pela terceira vez, assaltou um camião e foi a conduzi-lo para casa. Ainda sujou um carro, ao vomitar pela janela num semáforo, mas lá chegou a casa.

Espetou-se contra a entrada do prédio, partindo as portas. Saiu do camião e lá conseguiu entrar. Nesse momento, cruzou-se com o seu pai, Jesus, um fantástico agente da autoridade.

Boquiaberto, não podia praguejar em frente ao seu filho porque isso iria contra a sua educação.

João só disse:

"É pá, estava no meio da cidade todo bêbado e perdi as chaves do carro." - depois de uma pausa, disse a tal frase: "Sabes como é que é..."

E teve sorte. Na sua cabeça, Jesus ouviu bem mais. Ouviu: "Sabes como é que é estar no meio de Lisboa e ter que voltar para casa de autocarro? Eles não desinfectam os bancos. É tão impossível como urinar fora de casa. Aliás, tenho que ir à casa de banho."

Jesus, pensando assim, apenas disse: "Vai lá, vai lá." - e saiu do prédio, contornando o camião.

E ainda não se sabe se João não estava simplesmente a pensar: "Sabes como é que é conduzir um camião?" ou "Sabes como é que é, quando se vomita para cima das chaves do carro, um gajo tem que se safar..."

Não se sabe, não se saberá, e não há lei que impeça esta poligamia linguística

3 Croissants, a conta que Deus fez

"Bom dia. Estou cheio de pressa, quero pagar e um Croissant de Ovo."

"Concerteza. 5,60 Euros."

"Não corte o Croissant ao meio."

"Corto, corto." - Enquanto tirava o Croissant para um prato com uma faca.

"Não, porque eu não quero."

"Ah, bom, então tá bem." - E cortou o Croissant ao meio, sorridente.

A partir daí, tudo se passou muito rapidamente, e merecia ter um realizador de filme de acção presente com uma equipa.

Ao pegar no Croissant partido, Joca nada conseguiu fazer senão saltar para o outro lado do balcão, e tudo lhe correu bem, excepto o troco.

Estavam lá 3 Croissants. Um já estava partido e ficou no balcão, o segundo esperava pronto num guardanapo para ser levado e o terceiro, inteiro também, ficou em cima do empregado.

Assim que saltou para o outro lado, apesar de estar com pressa, tirou das suas costas o instrumento que usava para o trabalho, apesar de ainda não serem horas. Joca era um lenhador, à beira da reforma.

Num ápice, cortou o empregado ao meio, curiosamente quase seu homónimo, mas escrito com "K". Depois de deixar ordeiramente as pernas ao lado do tronco, pousou o segundo Croissant em cima do empregado e riu-se quando viu a placa com o nome "Joka" escrito.

De seguida, tirou 6 euros da carteira. Tentou abrir a caixa. Não conseguiu, deixou os 6 euros no balcão e pegou no seu Croissant. Enquanto caminhava para a porta, ainda disse:

"E ainda levas gorjeta. Não devias, mas levas. Estás com sorte."

E depois de atravessar a porta, ainda se virou para trás e acrescentou:

"Tinha ou não tinha razão? O Croissant sem estar cortado é muito melhor. E dá mais jeito."

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

modo operacional

Estava preocupado, muito preocupado. Não sabia o que fazer, e tudo por causa do raio da testemunha de Jeová.

Encontrara uma na rua, com quem perdera tempo suficiente para tentar perceber porque é que eles afinal são contra as transfusões de sangue. E até percebeu. Perdeu duas horas e o segredo da sua identidade mas já sabe onde aparece na Bíblia deles (que agora para si é a mais real e verdadeira) que “não deverás consumir o sangue”.

Realmente, isto mudava para sempre a sua relação com a namorada. Ia passar a evitá-la sempre que estivesse com o período. Mas isso agora não o incomodava.

A testemunha de Jeová, na conversa, ficara a saber o nome de Jorge. Depois seguiu-o até casa (provavelmente seguindo um pedido de Deus).

Dois dias depois, estava à porta do seu prédio para lhe dar uma revista como surpresa, e enganou-se na casa. Tocou para o vizinho da frente. Um anarquista agnóstico e extremamente cuidadoso.

Apenas disse abruptamente que não se chamava Jorge, mas sim Jaime, e assim que se apercebeu que era uma testemunha de Jeová ficou preocupadíssimo e ligou logo para o pai de Jorge.

“Vieram aí à procura do teu filho e de certeza que querem conquistar esta merda toda. Tu faz qualquer coisa. E pensava que tentavas afastar o teu filho de todas as religiões. Que é esta merda?”

“Vou já para aí. Obrigado.” – agradeceu o preocupado pai.

Jorge foi avisado de que o vizinho chamara o seu pai, e daí a sua preocupação. Ficou à entrada do prédio à espera que o pai chegasse de Espanha, e que rezava para que não lhe acontecesse nada, indo assim contra a sua educação agnóstica.

Barnabé, o pai, chegou numa carrinha. Nesse momento saiu o seu vizinho do prédio. Barnabé saiu do carro e começou logo a berrar.

“Foda-se, testemunhas de Jeová, agora sou visitado por testemunhas de Jeová, é?”
Enquanto falava dirigiu-se à mala do carro para a abrir, e mostrou o cadáver de uma “Jeovala”, como ele prefere chamá-las.

O vizinho fez um sorriso, mas sempre disse:

“Tens que ter calma, eles não acabam assim.”

O filho, assustado, ficou boquiaberto, e depois de pedir desculpa mais uma vez, disse: “Papá, se eu ficar constipado não vais poder matar todos os micróbios do mundo. E por teres despachado uma Jeovala, como tu costumas dizer, eles vão continuar a andar por aí…”

Barnabé ficou furioso, tirou da mala um saco de víveres, uma bazooka e uma faca do mato. Depois de fechar, trancar e verificar que estava trancado, começou a andar para a entrada do prédio, e apenas afirmou:


"Vocês não conhecem o meu modo operacional.
A partir de agora não quero ouvir nem mais uma palavra. Quem falar é considerado Jeovalo e é abatido.”

A partir daí viveram seguros, nunca sendo afectados pelas explosões que vitimizavam as testemunhas de Jeová. No entanto Jorge continuava preocupado.

Apanhara, anos e anos antes, o tique de dizer “Jesus!” depois de espirrar e não o conseguia evitar. O pai já lhe tinha batido por causa do assunto, mas antes do assunto da testemunha de Jeová. Jorge tinha medo, com o Inverno a aparecer, de espirrar, não conseguir evitar o seu tique irritante e assim perdeu a vida. Logo no dia 25 de Dezembro tinha que lhe sair a palavra proibida da boca.

Há azares inexplicáveis.

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Virgindade

Joana não sabia o que fazer. Não queria pensar em ter relações sexuais antes do casamento mas não conseguia pensar noutra coisa.

E ainda por cima estava a chegar o Verão.

E não, a sua preocupação não era a de as moças e os moços ficarem com as hormonas aos saltitos.

Não era de usar menos roupa e atrair alguém, não era de os outros usarem menos roupa e a atraírem.

Era ter muita vontade de comer gelados com o calor.

E a Joana, desde o seu primeiro gelado da “Olá” aos 5 anos, sentia contracções em todo o corpo.

Conforme os anos foram passando e o seu corpo crescendo, percebeu que a “Olá” aumentava a sua pulsão sexual.

Se pensava no seu gelado preferido, passou do minúsculo “Mini-Milk”, aos 5 anos, ao “Super-Pau”, aos 10 aninhos. Enganava-se sempre, misturava sempre os nomes de dois gelados. Mas gostava.

Claro que nunca deixava passar nenhuma informação acerca da relação entre o seu apetite sexual e a sua vontade de comer gelados, mas aos 14 anos esteve quase a perder precocemente a virgindade.

E aqui, realmente valeu-lhe a pena a relação entre os gelados da “Olá” e o sexo.

No fim de um dia muito quente, passeava feliz com o Nuno. Passaram num café para levarem gelados e foram para casa do Nuno.

Depois dos gelados, de duas danças de salsa e 45 segundos de chá-chá-chá, começaram freneticamente aos beijos. Daí a ficarem sem roupas foi um pulo, e tudo parou um pouco quando voltou à cabeça da Joana a questão da virgindade.

Nuno estava claramente com vontade de fazer tudo e mais alguma coisa, mas Joana queria preservar a virgindade e fazer tudo o resto que lhe ocorresse.

Mas não lhe ocorria nada.

Não queria estragar o ambiente nem desiludir Nuno. Perante um instrumento novo no qual não sabia mexer, ficou confusa, olhou para o lado e viu as embalagens dos gelados que haviam comido.

E nesse momento percebeu finalmente porque é que a relação entre a sua vida sexual e a “Olá” era tão forte. Virou-se para o Nuno e disse:
“Olha,perder a virgindade está fora de questão, mas fazemos um negócio: Eu faço aquilo que fiz enquanto vínhamos para casa. Sim. Exactamente como se fosse um Callipo.”

Na altura realmente ficou virgem e feliz. Mais tarde casou-se com um Guarda-florestal. Hoje em dia é feliz e tem filhos.

A única coisa má na história é que o Nuno nunca mais comeu Callipos, pensa sempre na pequena trinca que se dá mesmo sem estar planeada.

os pedaços insignificantes que se apoderam de tanto

"Aposto que não estavas a pensar em mim!"

José abre os olhos e esfrega-os lentamente enquanto se apercebe da figura furiosa da Susana. Antes de conseguir dizer fosse o que fosse, volta a ouvir a voz estridente:

"Sempre a pensar na puta das formigas, eu tenho a certeza!!! Puta das formigas, sempre a puta das formigas."

Quase como se tivesse insultado a mãezinha delas, as três formigas picaram-na furiosas. Já sabiam que a probabilidade de sobreviverem era baixa, mas para aqueles insultos constantes já não havia paciência. Desistiram do pequeno ensaio que estavam naquele momento a fazer, e pararam de dançar samba no pescoço da gritante Susana. Picara-na e sugaram o máximo de sangue possível como se fossem vampiras, como se fossem do lado negro, enfim, como se não houvesse amanhã.

Susana matou aquelas três tristes formiguinhas em meio segundo, com a vontade de que fosse possível matar todas as formigas deste mundo.

"E não me largam, não me deixam estar em paz, agora tou cheia de dor por causa delas..." - guinchou enquanto se limpava.

Olhou à volta à procura de mais formigas. Olhou para José nos olhos usando o olhar ameaçador que aprendera com um tio-avô que fizera parte da Gestapo. José nem por dentro tremeu, ele tinha a certeza que não era uma formiga. E não se sentia nada capaz de dizimar espécies...

Susana desvia o olhar de José e começa a chorar. José suspira, nem lhe chega a perguntar nada e volta a fechar os olhos, mas não se safa de a ouvir:

"Não consigo, não consigo, não consigo... Eu até posso nem sair da cama quando acordo durante um mês, mas pelo menos uma delas aparece mais cedo ou mais tarde... Mesmo se não aparecer nenhuma, eu sei que elas estão lá... Não sei onde, mas estão lá...Por aí..."

José continua em silêncio, mas pensa: "Quando me lembro que quando tinha 7 anos e meio queria ter formigas como animais de estimação até fico arrepiado... E cometi o erro de lhe dizer isso há umas décadas. O que fazer? Parece que o futuro é feio, espero que as formigas o mordam..."