domingo, setembro 27, 2009

«Ilda Maria Pinto Pires»

Uma avó que não existe
Até sempre Ildinha













Ildinha


Quero tanto estar errado

Voltar a ser criança, tê-la a cuidar de mim

acreditar num céu, para lá da terra

A próxima paragem é essa?

Já tive a certeza que sim. Hoje não

Hoje não sei

Ela nunca me mentiu

Há-de haver um sítio, para onde foi

Um Vale de Carvalho eterno,

ali bem perto do Corotelo

E vai estar sempre de portas abertas para os seus

Sem pecados, sem lixo, sem chatices

Com todos

Ela nunca me mentiu

Há-de estar lá

Ou então, mesmo, mesmo a chegar


XXIV-IX-MMIX


segunda-feira, setembro 21, 2009

«Eu trabalho para o buraco negro onde nenhuma lei é válida»

«Eu trabalho para o buraco negro onde nenhuma lei é válida.»1

Ainda bem. Ainda bem que nenhuma lei é válida. Que não há polícias de choque do buraco negro, escutas telefónicas do buraco negro, registos de informação no buraco negro. Já existiram, mas deixou de fazer sentido. Sem leis válidas, porquê pensar nelas? E porquê trabalhar? Também não percebo muito bem. Fora do buraco negro, metade do mundo pensa que peca, só por viver. Cá dentro, todos pensam que precisam de trabalhar.

Porquê? E para quê? Ninguém irá verificar a lei que não existe que diz que se deve trabalhar se alguém decide não o fazer. Fugir. Sair do buraco negro. Ninguém sai. Ninguém decide.

Por um lado, quero, preciso, vou... Um dia destes vou. Vou trabalhar para o buraco negro. Onde os olhos valem mais do que a cabeça. Fugir à lei que me empurra.

Por outro, não posso, não consigo, não devo... Cair assim, novamente, no buraco negro. Por vezes não o encontro. Já hesitei por pensar na vida sem leis que me protejam. Que me protegem. Imagino que sim.



1 Isto, disse William S. Burroughs, depois de reparar que tinha começado a chover.

sábado, setembro 19, 2009

Talvez «um pouco»...

«Para um liberal e com gosto pelas artes, pareces-me um pouco iludido ou enganado pela vida.»

É o que acontece a gajos desorganizados, têm-se surpresas destas.

Isto estava escrito num papel que descansou cerca de três anos, imagino, no bolso de umas calças. Calças estranhas. De vez em quando, vejo-as a olhar para mim e considero-as repulsivas. No outro dia, não. Estavam com bom ar. Vesti-as e encontrei uma antiga missiva.

Realmente, sou um gajo liberal. Serei intelectual, talvez (se calhar, há alguém mais a pensar isto de mim e tudo). E sim, claro que tenho gosto pelas artes. Mas nunca juntaria assim todas estas palavras. Catita!

Mas iludido pela vida? Talvez. Talvez «um pouco. Apenas «um pouco». Para se querer fazer algo bom, especial, único, há que ser «um pouco» optimista.

Passar umas férias, umas noites, ou umas horas, de quando em quando, nesse castelo das ilusões que surge, tantas e tantas vezes.

Regra geral, sou mais desiludido. A pergunta que não vi no teste (desiludido comigo); o falhanço naquela relação (desiludido com o contexto, com a situação); ou a derrota no derby (metade de Portugal fica desiludida)... E surgem, ainda assim, por vezes, os tais castelos. Em mim, e em muitos. Hei-de ter boa nota! Há-de correr tudo bem! O Benfica vai ganhar o campeonato!

Enganado pela vida? Ela nunca me mentiu. Já me surpreendeu muitas vezes. Pela negativa, mas também pela positiva. Mas já fui enganado por feirantes, que garantiam, a pés juntos, que aquilo havia de funcionar; pelo gajo da papelaria que, coitado, deve ser doente, e acaba por se enganar sempre no troco...

Espero que não haja muitas pessoas a pensar assim acerca de mim. «Um pouco» de uma série de coisas. «Um pouco» a viver, e, ainda por cima, a errar. Não, não soa nada bem. Bem, mas «um intelectual e com gosto pelas artes» soa bem. É sonoro, é sonante, é pomposo...

Arrogante? Não, as palavras não são minhas... Bem, talvez «um pouco» arrogante, senão não escrevia isto, não teria esboçado um leve sorriso ao ler esta frase...

Mas sim, espero que só «um pouco».

sexta-feira, setembro 18, 2009

Potente paradoxo, projecta-me para o passado e para o presente

O que é que hei-de dizer dele? Nem sei bem... Já me pediram a opinião inúmeras vezes, em relação ao Carlos. Já o conheço há tantos anos...

Acabo por cair quase sempre numa descrição algo paradoxal: «É um gajo... bastante mais ou menos...»

Foi da minha turma 12 anos. Nunca chumbou, mas nunca foi um bom aluno. Conheci algumas namoradas no processo. Não eram nem beldades, nem monstrinhas, antes pelo contrário.

A Joana era bonita, lá isso era, mas saía ao pai. Mesmo ao pai. Algumentativa, perfeccionista, com um peito liso, os ombros largos e as axilas peludas.

A Filipa, por seu lado, roçava o limiar da comestibilidade (por vezes assustava, olhar para a sua cara), mas era impossível falar mais do que cinco segundos com ela sem se ficar embasbacado pelos seus voluptuosos seios. E pela sua anca também. Até as suas amigas diziam o mesmo...

Apenas estas duas já ilustram o seu habitual padrão... Elas próprias, escolhidas a dedo, eram bastante mais ou menos.

Mas sempre o fizeram pensar na vida. Nem pouco, nem muito. E afirma, no meio das suas conversas:

«Estou cada vez mais na mesma...»

A última vez que o vi, encontrei-o mais feliz. Eu próprio fiquei feliz, por ele.
Estava a sair do cinema com uma nova amiga, anódina q.b., e, assim que me aproximei deles, voltei a ficar confuso, ainda que talvez faça cada vez mais sentido a sua caracterização como um gajo mais ou menos.

Ouvi apenas esta conversa, sem me terem visto:

Ele: «Gostaste do filme?»
Ela: «Gostei... mais ou menos...»
Ele: «Eu cá, eu achei exactamente o contrário...»

Não os consegui interromper e fugi. A comunicação havia de funcionar, entre eles. Que funcione, pelo menos entre eles.

E que sejam mais ou menos felizes.

Ou, pelo menos, o contrário.

magnetismo

magnetismo, tinta, porco, olá, cintilante, perfume

Magnetismo. Sim, essa força da natureza que não se percebe bem.

Não é simplesmente conhecer alguém e quererem logo conhecer-se biblicamente, querer ser deliciosamente porco, como se apenas a libido interessasse.

É isso, e muito mais.

Aquela força nela, cujo simples «Olá» faz com que notes na apurada subtileza do seu perfume, faz com que queiras conhecer toda a tinta que ela já fez escorrer, que ainda te faz pensar em cada um dos seus olhos como algo tão cintilante, tal como se de galáxias se tratassem...

Isso sim, esse magnetismo que procuro, e que me faz a mim próprio também escorrer tinta.

borderline

amor, livro, cavalo, matraquilhos, inédito, sabor

Às vezes, sinto-me como se fizesse parte de um livro. Como se fosse uma personagem. Em cima do meu cavalo, e a gritar, de espada em riste, contra os muçulmanos.

Espero que, ao menos, seja um livro inédito, a estória já é batida...

Outras vezes, não sinto a vida. Sinto-me como um boneco de matraquilhos, igual a todos os outros...

E assim, sobrevivo...

Mas não vivo...

Não sinto o sabor da vida... Onde está o amor pela vida?

Arrebatamento

cona, mesa, fuligem, arrebatamento, McDonald's, antimatéria, casa

Não percebo como é que a fuligem foi parar à mesa. Tinha lá estado, de pernas cruzadas, a pensar nela e, de repente, ao olhar para lá, parecia que tinham lá ficado os restos do meu pensamento.

Saí de casa. Estava farto dos meus próprios pensamentos. Fui ao McDonald's comer (sim, eu sei que é estúpido), e soube-me a pouco. Sentia-me como um verme no meio da antimatéria, não sabia o que fazer.

E voltei a pensar nela. Não na mulher como um ser completo, mas no sexo, nas carícias, na cona.

Não aguentei mais. Apanhei um táxi, fui ter com ela, e não hesitei. Possuí-a sem lhe dar hipótese. É difícil parar a força do meu arrebatamento.

Até para mim.

Novidades - Exercício

Pois é, de quando em quando vão aparecer aqui umas coisas estranhas. Sim, eu sei, isso já é mais ou menos hábito, mas desta vez é diferente. Faço um exercício de escrita com um amigo, e escrevo textos com seis palavras que lhe tenham saído da cabeça.

domingo, setembro 06, 2009

Água do Fastio

Há sempre coisas a aprender. Estava prestes a escrever um texto sobre a expressão latina «nihil admirari» e perdi toda a vontade. E porquê? Por causa da água do fastio.
Sabe bem? Sabe mal? Não sei, eu tenho muito pouco paladar, para mim é igual à água da torneira. Não foi por causa do sabor, mas por causa do nome.
«Fastio» é palavra de que só me lembraria por causa da água. E porque raio tem esse nome? Tive que ir ao dicionário, e depois percebi. É tudo uma questão de marketing, mas resultaria bem se se ficasse apenas pelo ponto 1.

fastio
s. m.
1. Repugnância pelo alimento; falta de apetite.

«Repugnância pelo alimento»? Claro que sim. Concorrência feroz, essa, a dos alimentos. Muitas vezes, as pessoas só querem comer, e beber aquele vinho, ou aquele sumo, porque fica bem com aquele prato. Aí está, a água sente, de certeza, repugnância pelo alimento quando ninguém lhe liga nenhuma. A água tem que se afastar dos alimentos... E as pessoas não ligam e querem vinho... Vinho, pois, raio do vinho...
«Falta de apetite»? Pensem bem. Hoje em dia, saio à rua e sou confrontado com pequenas baleia a saltitar por aí. A obesidade está na crista da onda, e haver uma água que causa falta de apetite é óptimo. Ajudante de qualquer dieta, e há tanta gente a precisar de fazer uma dieta...
No ponto 2 é que fica tudo estragado... Era bom que não existisse, mas há sempre aquelas notas pequeninas, que se passa bem sem ler.

fastio
s. m.
2. Fig. Aborrecimento; tédio; enjoo.

Mas «Aborrecimento; tédio; enjoo»?
«Boa tarde, queria uma “Água do enjoo”, por favor.» - é horrível, eu sei. Ainda bem que quase ninguém sabe disto. E é um segredo que guardarei comigo. Os gajos do marketing deviam ir lavar pratos, podia ser que tivessem mais jeito...

quinta-feira, setembro 03, 2009

Procrastinar

procrastinar
(latim procrastino, -are)
v. tr.
1. Diferir de dia em dia ou deixar para depois. = adiar, postergar, protrair ≠ antecipar
v. intr.
2. Usar de delongas. = delongar, demorar, postergar ≠ abreviar, acelerar, despachar-se

O Português tem coisas fantásticas. Aliás, os portugueses têm coisas fantásticas. Sim, os dois. A língua, sim, e os habitantes também, claro, os portugueses, esses bichos catitas.

Reparem nas várias e fabulosas formas que arranjaram para procrastinar. É caso para dizer que estariam certamente procrastinando, no processo de arranjarem cada uma delas. Mas arranjaram umas coisas bem catitas. Se os criadores do calão burgesso e ordinário (sim, todos nós) lessem mais e tentassem dar ainda mais vida a esta já de ainda crescente, de certeza que já teria surgido muitas vezes, em discussões, qualquer «Posterga-mos!», contra quem defendesse o árbitro vesgo, ou ainda um «Não mos procrastines! É já!» no fim de um decadente e etílico engate...

Quanto aos bichos catitas... Quase estou indeciso, neste momento, entre eu próprio procrastinar um pouco e deixar isto para depois, e realmente escrever mais um pouquinho... Que cargo o nosso... Somos o melhor país do mundo para se praticar a procrastinação... Come-se bem (muito bem, não me venham cá os franceses com lérias) e, acima de tudo, temos cá um clima... Sabe tão bem acordar e ficar a não fazer nada... Até podemos ficar a sofrer por se arrastar ad aeternum aquilo que tem que ser feito, mas ao menos sofremos «à grande». Com bom tempo, bem alimentados, e com boa companhia. Claro, não pensem que esse gajo que acabaram de ver a passar com um envelope volumoso debaixo do braço cumpre tudo. Teve a ver a Fátima Lopes, ou a ler qualquer coisa da Margarida Rebelo Pinto, coitado, enquanto sofria, porque sabia, havia vários dias, que não podia adiar mais, tinha que levar o raio do envelope à loja, até às 18.00h...

Espero que tenha conseguido. Isto acaba por ser o pior. Quando se sofre enquanto não se faz e se pode fazer aquilo que há para fazer, e depois, quando corre mal. Quando se sofre outra vez quando já não se consegue fazer o que havia a fazer aquilo. Aquilo que já tinha dado sofrimento e causado tanta angústia.

Acaba por ser mesmo péssimo, de quando em quando, especialmente quando está a chover, quando a carne ficou demasiado queimada, e quando os geralmente fieis colegas da constante procrastinação estão todos a fazer alguma coisa. E nem sequer apetece buscar a companhia dos ex-procrastinadores, nos seus intervalos...

Aí sim, dá vontade de dizer: «Queria era que isto tudo se procrastinasse!»