quinta-feira, julho 16, 2009

E eu, que nunca quis fazer parte de uma matilha

Isto de um gajo ter problemas de saúde acaba por ter algumas coisas engraçadas.

Aí há uns tempos, fui forçado a ir passar umas férias alargadas a um spa bem moderno. Vivi dois meses num sítio tão bem localizado, ali perto do Marim Moniz. Pensão, Quartel, Hospital ou Prisão de S. José. Vocês hão-de conhecer um deles. Aliás, há-de existir um deles. Ou mesmo vários deles.

Antes, não me ligavam nenhuma. Gajos com o meu aspecto, dezenas; com a minha cultura, centenas; com os meus estudos, milhares; com a minha língua, milhões; com a religião que já pratiquei, ziliões; com a minha desintegração na sociedade... não conheço a palavra ao certo, mas acaba em «ões», de certeza.

Era só mais um. Mais um na matilha. Enfim, segundo consta, parece que antes era simplesmente mais um dos gajos que fazem parte da matilha dos que não querem fazer parte de nenhuma matilha. Enfim, um anódino, tolerável e pacífico.

De um momento para o outro, parecia que tinha viajado para tempos idos. Parecia que quase tinha ali (tantos) servos dedicados. Que se preocupavam como eu me sentia, como eu dormia, como eu andava ou como eu falava... (e eu nunca fui um gajo de se sentir mal; de ter pesadelos ou visões durante o sono; de ser um corredor ou um organizador de caminhadas para Fátima; nem, tampouco, um cantor de Ópera, para que ficassem tão interessados na minha voz...)

Só não se preocupavam com as minhas unhas. Mas nem precisavam de o fazer. Os visitantes partilhavam, com os servos, o peso de ter de tratar da minha aparência. E há que convir que as unhas grandes até se podem tornar perigosas...

O que me surpreendeu foi o nível da preocupação. A pergunta que os quase servos mais colocaram era, no mínimo, estranha.«Então, e tem defecado?»

Nem sei por onde começar. Entre outras coisas, há a questão da língua. «Defecar»

«Defecar» é um verbo feio. Feio, mas melhor que tantos outros. Que raio de pormenor que foram inventar. Realmente, é melhor dizer «defecar» do que «cagar», do que «borrar a sanita», e certamente bem melhor do que dizer «arrear o calhau», o que é simplesmente estúpido. Mas «caguei» para este assunto. É triste, ficar a saber assim, das «merdas» da nossa língua.

Além da questão linguística, tenho que admitir que não passava a vida a «farpar-me»1, nem tinha um aspecto fora do vulgar (no que toca à zona do sistema digestivo).

Como esta não será «A crítica da merda pura», tratarei apenas de mais um aspecto. Talvez, o mais relevante. Antes, não me ligavam. De um momento para o outro, parecia que as minhas fezes se haviam tornado figuras públicas. Como é que é possível que haja pessoas que se preocupam mais com o que sai do meu corpo, do que com os livros da Margarida Rebelo Pinto?

E antes, se era simplesmente mais um na maré, as minhas fezes acabavam por ser perfeitamente irrelevantes. Agora não. Indaguei um dos dedicados às minhas fezes.
Mais do que interessado em querer saber o porquê da importância das ditas, estava curioso acerca das opções que estas pessoas haviam feito, para chegarem a um ponto em que realmente se preocupavam muito com excrementos. Perguntei, precisamente, acerca das obras da Margarida Rebelo Pinto. A resposta do ex-compositor (segundo vim posteriormente a saber) foi simples:

«É a mesma coisa. Uma coisa sai de um, por um lado. A outra sai do outro, por outro lado. Escolhi interessar-me por algo que me permite, realmente, ajudar alguém.»

Aí, parece-me que fiquei a perceber um pouco mais. O altruísmo fazia aproximar-se mais de uma merda. Sempre é qualquer coisa. Os leitores da conhecida escritora não procuram as suas obras para ajudar ninguém. Aliás, porque é que as procuram, mesmo?



1 - Outro pormenor realmente merdoso da nossa língua. Parece que os inventores da lingua portuguesa não tinham intestinos e, daí, tivessem decidido escolher palavras e expressões feias, na melhor das hipóteses, ou mesmomuito estúpidas, também, para tudo o que tivesse a ver com os intestinos).

Talvez se diga mais vezes «a soltar uma "flatulência"» do que «uma farpa». Portanto, deveria ter dito que não sou um gajo que solte muitas flatulências, ou, se quisesse transformar o substantivo num verbo, diria que não sou um gajo que flatule muito.

Claro que, perante tal palavra, há quem prefira usar o calão... «Peidei-me» é simplesmente feio. No entanto, a infantilidade de «dei um pum» roça o ridículo. De certeza que vários de vocês brincavam com pistolas de brinquedo, quando eram crianças. E berravam, constantemente, «Pum! Pum! Pum», por vezes seguido de uma informação furiosa: «Estás morto! Morreste! Não te podes mexer!». Um gajo cresce, e vai aprendendo umas coisas. Mas ainda não percebo porque é que «Pum» era um tiro fictício, aos meus cinco anos, e agora tem só que ver com os gases. Sem ninguém me explicar nada.


5 comentários:

funk disse...

dos teus melhores textos

muito, muito, muito bom

Ana disse...

Adorei!Beijinhos

speauneum disse...

danke schön...

fiquei realmente feliz com este...

beijinhos e abraços

Unknown disse...

Simply of the buffff!!!!

rita luz(catita) disse...

muito catita...como eu alias!